Operação da PF expõe Picciani, um dos caciques políticos do Rio
Cinco vezes presidente da Assembleia, ele tem um filho ministro e outro, deputado estadual, comanda o PMDB no estado e é aliado de Cabral, Pezão e Paes
Alvo de uma condução coercitiva (quando a pessoa é levada compulsoriamente a depor) na manhã desta segunda-feira, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani, 62 anos, se tornou conhecido nacionalmente, mas no seu estado é uma das principais figuras políticas e talvez o mais poderoso cacique fluminense até então.
Picciani foi o deputado que mais vezes ocupou a cadeira central no plenário da Alerj. Desde que se elegeu deputado estadual pela primeira vez, em 1990, ele já foi presidente da Casa cinco vezes. A única dura derrota que sofreu foi em 2010, quando perdeu a eleição para o Senado e ficou sem mandato pela primeira vez. A partir daí, dedicou-se à engrenagem partidária, tecendo composições e articulações nos bastidores.
Picciani tem quatro filhos, dois seguem os passos do pai: Leonardo Picciani, 38 anos, deputado federal licenciado e ministro do Esporte do governo Michel Temer (PMDB), e Rafael Picciani, 30, deputado estadual no segundo mandato. Felipe Picciani, 36, é zootecnista e cuida dos negócios agropecuários da família, que não são poucos – Picciani-pai é pecuarista e criador de gado nelore há 30 anos. O caçula Arthur, 6, é fruto de um relacionamento com uma antiga assessora do PMDB. Atualmente, o chefe dos Picciani é casado com a jornalista Hortência Oliveira, ex-funcionária do Tribunal de Contas do Estado (TCE) – outro alvo crucial da operação Operação O Quinto de Ouro, deflagrada nesta quarta.
O presidente da Alerj se viu como figura central da operação que investiga um esquema de pagamentos de vantagens indevidas que pode ter desviado valores de contratos com órgãos públicos para agentes do estado, em especial membros do TCE e da Alerj. Cinco dos sete conselheiros do tribunal de contas tiveram prisão temporária decretada. Além da condução coercitiva, o cacique do PMDB fluminense viu seu gabinete presidencial e o diretório do partido no estado serem alvos de busca e apreensão nesta manhã.
Aliado político do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), preso na Operação Calicute, Picciani tem na Baixada Fluminense o seu reduto eleitoral. Nas eleições de 2014, seu filho Rafael disputou o mesmo cargo com o pai, mas por determinação do partido, buscou eleitores na capital – após vencer, com 63.073 votos (Picciani-pai também foi eleito), não aceitou o convite do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) para assumir a Casa Civil, que teria sido negociado por Cabral pouco antes de o ex-governador ser tragada pela Operação Lava Jato. Acabou indo para a Prefeitura do Rio, comandada pelo também peemedebista Eduardo Paes, onde ocupou o importante cargo de secretário municipal de Transportes (2014-2016).
A proximidade da família Picciani com a família Cabral é antiga e notória. Na terça-feira, o filho mais velho de Cabral, o deputado federal Marco Antônio Cabral (PMDB) postou uma foto no casamento de Rafael. Na foto, ao lado do noivo, o filho de Cabral escreve: “Irmão, você é merecedor de toda essa alegria, e essa união que é tão bonita vai continuar pra eternidade”. Dois dias depois, Picciani-pai era alvo da PF.
O grande articulador da ascensão do clã Picciani é o pai. Há cerca de vinte anos, ele é um dos mais sagazes caciques políticos do Estado e hábil nas costuras de bastidores. Articulou alianças improváveis e reuniu fundos para suas campanhas e de amigos. Sua palavra foi decisiva na eleição de inúmeros de vereadores e deputados, além de ter dado significativa contribuição às eleições e administrações de Cabral e Pezão.
Pragmático, Picciani amarrou em 2014 o apoio de uma ala do PMDB à candidatura do tucano Aécio Neves, fato que resultou numa improvável aliança que ficou conhecida entre os políticos como Aezão (Aécio + Pezão, então candidato). Seu partido, portanto, estava dividido em duas canoas, já que, oficialmente, continuou fechado com a candidata Dilma Rousseff (PT). Vitoriosa, ela passou os oito primeiros meses de mandato mantendo distância dos Picciani devido à proximidade com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), preso na Lava Jato em outubro de 2016.
Em agosto de 2015, depois de um café da manhã que juntou Jorge e Leonardo Picciani com Dilma, Picciani-pai insistiu na importância de se construir uma “coalizão de fato” na base de apoio à presidente. Dito e feito: dias depois, Leonardo Picciani desligou-se da ala de Eduardo Cunha e bandeou-se para o lado do PMDB pró-governo, com a tarefa de garantir quórum para o governo nas votações decisivas – o que se mostrou um fracasso retumbante após o impeachment.
Em entrevista a VEJA em outubro de 2015, o chefe dos Picciani não descartou sua candidatura ao governo do Rio em 2018. Resta saber se ainda há tempo. Apesar da condução coercitiva de Picciani, a Alerj informou que as sessões desta quarta foram mantidas, já o TCE, por falta de quórum, suspendeu a sessão plenária desta tarde.