Os planos da ex-mulher de Bolsonaro, que promete livro polêmico
Ana Cristina se aproximou de lobista explosivo, quer disputar uma vaga no Congresso em 2022 e rascunha obra sobre a relação com o presidente
Uma das estratégias mais utilizadas por certos lobistas que agem nos subterrâneos do poder é mostrar que eles têm acesso e, principalmente, influência junto a autoridades e políticos importantes. Em Brasília, isso vale ouro, está na raiz de grandes fortunas e também na gênese de monumentais escândalos de corrupção. O homem de terno escuro na página ao lado é um ás nessa arte de se aproximar de pessoas que podem ajudar seus clientes a conseguir facilidades e grandes negócios no governo. Em maio de 2018, ele foi preso pela Polícia Federal numa operação que investigava a venda ilegal de registros sindicais no Ministério do Trabalho. De acordo com a acusação, cobrava milhões de seus clientes para conseguir agilizar a aprovação dos registros. Parte do dinheiro era usada para financiar campanhas eleitorais e para subornar servidores públicos. Submerso desde então, Silvio de Assis, o lobista da foto, está em plena atividade.
Nos últimos meses, assim como fazia no Ministério do Trabalho, ele tem oferecido seus serviços a empresários com pendências ou interesses comerciais em órgãos do governo. Também atende a prefeitos que enfrentam dificuldades em conseguir a liberação de verbas orçamentárias nos ministérios. Dependendo do cliente, cobra o equivalente a 10% do valor dos recursos. Exibe como garantia de sucesso a proximidade que afirma ter com um rol de figurões da República e políticos influentes do Congresso, como o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Senado, e o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara. Mais recentemente, Silvio de Assis incluiu no seu portfólio de amizades a advogada Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, que está de mudança para Brasília. Foi um reforço e tanto na estratégia do lobista de se mostrar próximo a pessoas importantes.
Ana Cristina teve uma união estável com Bolsonaro por dez anos. Em 2007, depois de um longo e turbulento processo na Justiça, eles se separaram. Na época, a advogada acusou o então deputado de ameaçá-la, disse que ele tinha um comportamento de “desmedida agressividade” e ainda apontou supostas irregularidades nas finanças do casal. Depois do processo encerrado, justificou que muito do que dissera era falso e derivava de seu estado emocional. A ex do presidente, que mora em Resende, no interior do Rio de Janeiro, está de malas prontas e deve passar a morar na capital federal a partir de fevereiro. Oficialmente, ela diz que a mudança se deve à distância do filho, Jair Renan, o “Zero Quatro”, de Bolsonaro, que se transferiu para Brasília logo depois da posse do pai. Há outras razões. Ana Cristina pretende retomar a carreira profissional. Após a separação, ela fechou seu escritório de advocacia, que lhe rendia bons clientes graças à fama do marido. Além disso, quer ajudar a tocar os negócios de uma empresa de eventos do filho, planeja disputar uma vaga no Congresso em 2022 e rascunha um livro em que anuncia a revelação de histórias “polêmicas” sobre a vida do casal. É um projeto ambicioso, especialmente porque ela não conta com a simpatia e muito menos com o apoio do ex-marido. Mas não lhe faltará ajuda.
Em dezembro do ano passado, Ana Cristina participou de um almoço oferecido por Silvio de Assis. Foi levada por um primo, também empresário, e, no encontro, falou de seus planos. O lobista também é conhecido em Brasília por ajudar a arrecadar recursos e a construir pontes entre candidatos e doadores de campanhas — um ativo e tanto para ela, que em 2018 até tentou uma vaga na Câmara dos Deputados, mas recebeu menos de 5 000 votos e não se elegeu. Não por coincidência, no almoço estavam presentes empresários (potenciais financiadores) e advogados próximos ao lobista especialmente convidados para conhecer “a ex-mulher e mãe do filho do presidente da República” (potenciais empregadores). Ana Cristina gostou do que viu e mais ainda do que ouviu — tanto que, ao voltar para Resende, pôs a casa para alugar e decidiu acelerar a mudança. Ela, porém, nega que tenha sido firmada alguma parceria com o lobista: “Eu nem sei o que o Silvio faz da vida. Fui lá uma única vez. Ele sabia bem quem eu era, mas eu não sabia quem ele era”, disse a VEJA (leia a entrevista).
Todas as sextas-feiras, o lobista convida políticos, empresários e figuras influentes da República para uma feijoada em uma suntuosa casa no Lago Sul, bairro nobre da capital federal. A pandemia do coronavírus não impediu a confraternização. Para garantir a higienização dos ilustres convidados, uma espécie de túnel de desinfecção foi instalado logo na entrada da casa. Na sequência, há um medidor portátil de temperatura e só depois chega-se ao amplo espaço ornado com mesas rigorosamente postas, sofás ao redor da piscina, garçons servindo uísques e vinhos e uma mesa de sinuca para quem quer algum tipo diferente de diversão. O sucesso dos encontros, para além do cardápio, está nas possibilidades e facilidades que podem sair de lá. O anfitrião é investigado por corrupção e lavagem de dinheiro, responde a uma dezena de processos por dar calote em funcionários de suas empresas e foi preso após ser grampeado cobrando propina para garantir a liberação de registros sindicais no Ministério do Trabalho, caso revelado por VEJA em 2018. Esse nebuloso histórico do lobista não impede que importantes figuras formem fila na entrada da mansão.
Além do senador Eduardo Gomes e do deputado Ricardo Barros, a lista de convidados inclui presidentes de partidos, desembargadores, juízes e chefes de agências — com destaque para o almirante Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa. A presença dele, aliás, animou empresários da área médica e hospitalar, que, logo depois, encaminharam pedidos para Silvio de Assis ajudar a destravar demandas de interesse na agência, trabalho pelo qual o lobista cobra um adiantamento e uma “taxa de sucesso” que varia caso a caso. Procurado por VEJA, Assis confirma a presença de todos os personagens citados em suas feijoadas de sexta-feira, que ele define como simples “encontro de amigos”. O deputado Ricardo Barros é “amigo há pelo menos dez anos”. “Eu diria que é uma praxe de Brasília as pessoas oportunizarem (sic) uma confraternização”, afirmou o deputado, confirmando que realmente conhece o lobista “há muitos anos”. Eduardo Gomes, a quem Assis chama de “amigo de décadas”, não respondeu à reportagem.
O presidente da Anvisa e a ex-mulher do presidente seriam exceções. “O doutor Barra não é meu amigo, não tenho amizade, foi lá apenas uma vez. Eu o conheço, mas não tenho nenhuma intimidade, até porque ele é muito fechado. E, quero ressaltar, não tenho nada a ver com laboratórios, com medicamentos”, garante o lobista. Sobre Ana Cristina, Assis se limitou a especular que a presença dela “talvez se justifique no fato de ela querer construir algum relacionamento, conhecer as pessoas, né?”. E, por fim, garantiu: “Mas eu não tenho interesse nenhum ali”. Certamente que não. Nem ela.
Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723