Os problemas do PT no Rio, onde Bolsonaro já empata com Lula
Na briga para reaver um reduto que já foi seu, partido vive entrave ao apoiar Marcelo Freixo; cacique petista flerta até com figuras ligadas ao bolsonarismo
Quando o mapa do segundo turno de 2018 foi pintado, dois estados decisivos que sempre votavam vermelho tinham mudado de cor: Minas Gerais e Rio de Janeiro, o segundo e o terceiro maiores colégios eleitorais do país, elegeram Jair Bolsonaro. No Rio, berço do bolsonarismo, o então deputado federal amealhou 68% dos votos válidos contra Fernando Haddad, um baque estrondoso no desempenho do PT. Por essa e outras, a eleição deste ano no estado ganhou ainda mais importância na campanha de Lula. As pesquisas, no entanto, não estão ajudando: os dois candidatos presidenciais aparecem empatados (em Minas, o petista tem confortável vantagem). E não está fácil desatar os vários nós entranhados nas alianças da oposição nem manter a campanha apenas nas fileiras da esquerda — um intrincado tabuleiro que envolve inclusive a busca de apoios nas bases fluminenses do bolsonarismo tão combatido pelo PT.
A chapa oficial tem Marcelo Freixo (PSB) para o governo estadual e André Ceciliano (PT), o principal articulador de Lula em solo fluminense, para o Senado. O enrosco começa aí: Alessandro Molon, também do PSB, segue pré-candidato à mesma vaga de senador, complicando tanto as ambições de Ceciliano quanto o relacionamento, já cercado de ressalvas, do PT com Freixo e sua sigla. O hoje presidente da Assembleia Legislativa Ceciliano, por sua vez, não tem o aval cego da militância, incomodada com seu eclético pelotão de cabos eleitorais — no lançamento de sua candidatura, ele posou, sorridente, com um batalhão de prefeitos e deputados ligados aos Bolsonaro e ao governador Cláudio Castro (PL), que tenta a reeleição.
O argumento em prol de tão vasto espectro é de que, para ganhar no Rio, Lula precisa cooptar a ala do Centrão local, estratégia acertada com o alto-comando petista. Convém lembrar que o Rio de Janeiro esteve, durante algum tempo, em um passado não tão distante, nas mãos da esquerda. Leonel Brizola, do PDT, ocupou duas vezes o Palácio Guanabara — de 1983 a 1987, vindo do exílio, e de 1991 a 1994. Populista, fez um governo de algum sucesso na área educacional, mas fracassou na segurança pública. Depois, em abril de 2002, com a renúncia de Garotinho para disputar a Presidência, a vice Benedita da Silva, do PT, assumiu a cadeira de governadora até janeiro de 2003, numa gestão marcada por descontrole financeiro. De lá para cá, as vitórias foram todas do centro ou da direita, em alguns casos com o próprio PT nas chapas em troca de apoio nas eleições presidenciais.
Agora, a candidatura de Freixo é um projeto pessoal de Lula, que vê em sua eleição uma forma de criar novas lideranças à esquerda. A empreitada, porém, sempre foi vista com preocupação pelos petistas graúdos. Eles acham que o ex-presidente traz muito mais votos para Freixo do que vice-versa, dada a dificuldade do ex-PSOL de transitar entre camadas mais conservadoras da população. Em pesquisa Genial/Quaest que acaba de ser divulgada, Lula caiu, Bolsonaro subiu e os dois aparecem lado a lado com 35% no primeiro turno. O petista venceria no segundo — cenário que dá força a uma sussurrada dupla Castro-Lula, em franca costura por aliados do governador de olho no empurrão que Lula pode dar a seus projetos eleitorais. Setores do PT não freiam o movimento: não se indispor com Castro pode render os votos de fora da esquerda ideológica de que Lula precisa para ganhar no berço de Bolsonaro.
A decisão de bancar Freixo, um candidato “difícil” (a última aferição mostra Castro com 25% e o socialista com 18%), está fazendo o próprio Lula se mexer. Para dar gás à chapa, até o fim de junho ele planeja ir novamente ao Rio para atos mais abrangentes, depois de duas passagens recentes focadas em aparições em que falou basicamente com quem já vota nele, entre artistas e expoentes do campo progressista. Mas houve pelo menos um encontro, este na surdina, com prefeitos ligados a Bolsonaro. Para a próxima viagem, desenha-se um evento de oficialização da chapa em alguma favela da capital e visitas à populosa Baixada Fluminense e a São Gonçalo, município de mais de 1 milhão de habitantes.
A ampliação de apoios a Lula tocada por Ceciliano — já há até dirigentes do União Brasil fazendo o “L” nos bastidores — e a influência que conquistou no partido lhe dão cacife para seguir firme e forte na candidatura ao Senado, mesmo estando atrás do insistente Molon. “No auge do antipetismo, Molon estava participando de ato com o juiz Marcelo Bretas, da Lava-Jato, enquanto Ceciliano se manteve no PT mesmo apanhando”, atira um importante petista local. Quem conhece a disputa de protagonismo entre Freixo e Molon na esquerda carioca, que passa de uma década, já antecipava problemas com os dois dividindo uma legenda. Prevê-se que o PSB nacional baterá o martelo até o fim de maio sobre o impasse Ceciliano-Molon. Será um nó desatado. Restarão outros ainda embaraçando o tão relevante palanque do PT no Rio, que sonha tingir o estado com cores que há anos não convencem os eleitores.
Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790