Palocci acusa Lula de interferir em fundos de pensão, diz jornal
Ex-ministro detalhou em delação pressão do petista na Previ, Petros e Funcef para investirem na Sete Brasil e arrecadar propina para campanhas do PT
O ex-ministro Antônio Palocci relatou, em delação premiada à Polícia Federal, uma suposta atuação criminosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para viabilizar o projeto de nacionalizar a indústria naval e arrecadar recursos para “quatro ou cinco” campanhas do PT – em especial, a primeira eleição de Dilma Rousseff, em 2010 –, a reboque da descoberta do pré-sal, informou neste domingo, 25, o jornal O Estado de S. Paulo.
Segundo Palocci, Lula e Dilma teriam determinado indevidamente a cinco ex-dirigentes dos fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Petrobrás (Petros), indicados aos cargos pelo PT, que capitalizassem o “projeto sondas”. A operação financeira, que resultou na criação da Sete Brasil, em 2010, buscava viabilizar a construção no Brasil dos navios-sonda – embarcações que perfuram os poços de petróleo – para a Petrobrás explorar o pré-sal. A estatal anunciara em 2008 que precisaria de 40 equipamentos – no mundo, existiam menos de 100. “Dentro desse investimento, tinha todo ilícito possível”, afirmou o ex-ministro, em depoimento à PF.
As “ordens” de Lula – que, assim como Palocci, está preso e condenado pela Operação Lava Jato – eram cumpridas, diz o ex-ministro. Os presidentes dos fundos, segundo ele, “eram cobrados a investir sem analisar.”
A Polícia Federal levantou dados que corroborariam a delação ao indicar que prazos, estudos técnicos detalhados e apontamentos de riscos e prejuízos foram ignorados. O delator afirma que “todos” sabiam que estavam “descumprindo os critérios internos” dos fundos “e também gerando propinas ao partido”.
Cinco ex-dirigentes são citados: Sérgio Rosa e Ricardo Flores (Previ), Guilherme Lacerda (Funcef) e Wagner Pinheiro e Luís Carlos Affonso (Petros). Na sexta-feira, como parte da 56.ª fase da Lava Jato, a Justiça determinou a prisão de Affonso, enquanto endereços de Pinheiro foram alvo de operações de busca e apreensão. Ambos são investigados por supostas irregularidades em obra da sede da Petrobrás na Bahia.
Palocci cita “reuniões” de Lula com os representantes dos fundos, “muitas vezes em conjunto”, outras separadamente. A delação forneceu à PF pistas para confirmação dos encontros, alguns em “reuniões oficiais” com atas. O ex-ministro afirmou ter alertado Lula sobre os riscos, por não serem “atas de reuniões, mas sim relatos de ilícitos”.
O delator disse ter sido procurado por ex-dirigentes dos fundos, que demonstraram “preocupação”. “Eles pediam para que eu ajudasse a tirar a pressão do Lula e da Dilma para que eles pudessem ter tempo de avaliar o projeto e fazer (os investimentos) de forma adequada.” Segundo ele, “o presidente reagia muito mal”. “Ele (Lula) falava ‘quem foi eleito fui eu, ou eles cumprem o que eu quero que façam ou eu troco os presidentes’”.
Delator. Palocci não é um colaborador qualquer. Preso desde outubro de 2016 em Curitiba e condenado a 12 anos, além de ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma, ele foi um dos coordenadores das campanhas do PT, interface do partido com o empresariado e o setor financeiro, membro do Conselho de Administração da Petrobrás e responsável pela indicação de alguns dos presidentes dos fundos de pensão de estatais.
O PT ocupou os comandos da Previ, Funcef e Petros desde o início do governo Lula, em 2003, segundo o delator. O ex-ministro das Comunicações Luiz Gushiken (que morreu em 2013) era o principal responsável pela área. Palocci diz que foi padrinho político de Sérgio Rosa e Wagner Pinheiro e que o ex-ministro José Dirceu indicou Guilherme Lacerda – todos com aval de Gushiken.
O papel de liderança de Palocci no esquema político de corrupção alvo da Lava Jato pesou na decisão da Polícia Federal em aceitar a delação. Os termos acordados foram homologados em junho pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que vai julgar nesta semana a eficácia da colaboração para obtenção dos benefícios de redução de pena.
Sete. A nacionalização dos setor naval garantiu no final do segundo mandato de Lula a promessa de 100.000 empregos nos estaleiros e milhões em contratos vinculados à Petrobrás. Os 28 fechados entre 2011 e 2012 no primeiro pacote somavam 22 bilhões de dólares.
Os aportes de recursos da Funcef, Petros e Previ foram fundamentais para consolidação dos investimentos que resultaram na criação da Sete Brasil Participações S/A. Sociedade da Petrobrás (que tinha 10% das cotas) e do FIP Sondas (90%) – composto majoritariamente por dinheiro dos fundos previdenciários e dos bancos BTG, Santander e Bradesco.
A Sete Brasil, criada em dezembro de 2010, ficou responsável por contratar as construções dos navios-sondas de estaleiros “companheiros”, instalados no País, e aluga-los em funcionamento para a Petrobrás – que foi sócia, investidora e contratante da empresa.
Os estaleiros contratados foram o Enseada Paraguaçu, na Bahia, BrasFELS, no Rio de Janeiro, Aracruz Jurong, no Espírito Santo, Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Três deles controlados por empreiteiras nacionais, como Odebrecht, OAS, UTC, Engevix, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão – do cartel acusado na Lava Jato de fatiar obras de refinarias desde 2004.
As revelações sobre a “aventura da Sete Brasil” – como registra o delator – servem para duas investigações em que Palocci colabora: a da Lava Jato, em Curitiba, sobre corrupção de pessoas ligadas à Petrobrás e a Sete Brasil, e a da Operação Greenfield, em Brasília, sobre desvios nos fundos de pensão das estatais em benefício de políticos do PT e do MDB.
Com a Lava Jato deflagrada em 2014 e a descoberta de que 1% de propinas nos negócios, a Sete Brasil quebrou em 2016 sem entregar nenhuma das sondas. Alguns dos estaleiros faliram. Petrobrás e os investidores ainda calculam os prejuízos. Dos 28 equipamentos que começariam a ser entregues em 2016, só quatro serão viabilizados.
Propinas – A interferência nos fundos estava diretamente ligada à reunião no Palácio do Alvorada, no início de 2010, narrada por Palocci no Termo 01 da delação – tornado público na semana final do primeiro turno das eleições 2018 pelo ex-juiz federal Sérgio Moro. Nela, Lula teria exigido do ex-ministro, de Dilma e de José Sérgio Gabrielli (ex-presidente da Petrobrás) que os negócios das sondas bancassem as campanhas do PT.
O episódio é citado por Palocci como a “cena mais chocante” de um presidente que “sucumbiu ao pior da política no melhor dos momentos do seu governo” e “marca uma mudança significativa” na forma como Lula interagia com a corrupção nos governos do PT. “Ele (Lula) sempre soube que tinha ilícito e sempre apoio as iniciativas de financiamento ilícito de campanha, mas no caso do pré-sal ele passou a ter uma atuação pessoal, direta”, afirmou Palocci, em uma das 63 vezes que deixou a carceragem da PF, em Curitiba, para colaborar.
“Eu a Dilma e o Gabrielli ficamos um pouco perplexos da maneira sem cerimônia que ele (Lula) abriu e fechou o assunto. Ele raramente fazia dessa maneira, tão explícita e tão direta.”
Defesas – A Previ afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o “investimento em FIP Sondas foi realizado de acordo com as normas regulatórias vigentes e estava em consonância com a política de investimentos” da fundação. “Foram realizados diversos estudos técnicos antes da aquisição do ativo, que foi realizada obedecendo toda a governança de processo decisório da entidade.” Destacou que sua participação foi de 9,9% das cotas do FIP e que o valor investido, de R$ 180 milhões, “equivale a cerca de 0,1% das reservas dos planos da Previ”.
“A Previ não coaduna com atos ilegais. Caso fique comprovado que o nome da Previ foi utilizado para vantagens indevidas, serão adotadas todas as medidas para reparação de danos.”
A Petros informou por sua assessoria que “não teve acesso à delação e não comenta investigações em andamento”. E que “foram e continuam sendo realizadas Comissões Internas de Apuração para averiguar eventuais irregularidades em investimentos decididos no passado”. A Petros diz que “continua colaborando de forma irrestrita com o Ministério Público”.
Procurada, a Funcef informou por meio de sua assessoria de imprensa que não se manifesta.
Negam. O ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma negam todas as acusações e afirmam que Palocci mente para sair da prisão. O ex-ministro está detido desde outubro de 2016, em Curitiba. Em nota oficial, o advogado Cristiano Zanin Martins afirma que a delação de Palocci foi recusada pelo Ministério Público Federal. Diz que “mais uma vez Palocci mente, sem apresentar prova” para “obter generosos benefícios”.
O advogado Rafael Favetti, que defende Guilherme Lacerda, informou que “ainda não teve acesso ao inteiro teor da delação de Antonio Palocci, o que limita a compreensão do relatado pelo criminoso confesso”. “A defesa de Lacerda reafirma a lisura dos procedimentos feitos por ele quando diretor-presidente da Funcef. Lacerda não teve alteração patrimonial tampouco qualquer resquício de enriquecimento ilícito durante ou depois de sua gestão”, disse o advogado.
Ricardo Flores afirmou ter mais uma vez ficado “indignado” com a citação a seu nome “em acusações tão absurdas e maledicentes”. “Afirmo que as acusações apresentadas são rigorosamente falsas. Não se sustentam à luz dos fatos e serão desmascaradas e descobertos a que interesses escusos atendem.” O ex-dirigente da Previ informou que não foi indicado ao cargo por “questões políticas” ou de partido e que processará “criminalmente por calúnia” Palocci e vai buscar “responsabilizá-lo por danos à minha imagem e reputação”. “Já apresentei às autoridades competentes, por iniciativa própria, provas documentais que atestam a falsidade e leviandade dessas acusações.”
O ex-presidente da Previ Sérgio Rosa não comentou o caso. Os demais ex-dirigentes dos fundos não foram localizados.
Com a palavra, Ricardo Flores
Em respeito aos leitores do Estadão repudio mais uma vez, indignado, a citação de meu nome por Antônio Palocci em acusações tão absurdas e maledicentes que me obrigam a imediatamente processá-lo criminalmente por calúnia, e responsabilizá-lo por danos à minha imagem e reputação construída ao longo de anos de trabalho.
Afirmo que as acusações apresentadas são rigorosamente falsas. Não se sustentam à luz dos fatos e serão desmascaradas e descobertos a que interesses escusos atendem.
O ex-ministro Palocci “esquece” de citar que o indeferimento do segundo aporte no FIP Sondas (Sete Brasil), em novembro/2011, salutar para as finanças da Previ, ocorreu na minha gestão, conforme farta e incontestável documentação técnica. Dessa forma, como pode o ex-ministro dizer que a Previ foi alvo de pressão para investir se a própria Previ, na minha gestão, indeferiu novos investimentos no FIP Sondas (Sete Brasil)?
Já apresentei às autoridades competentes, por iniciativa própria, provas documentais que atestam a falsidade e leviandade dessas acusações.
Acrescento que a Governança da PREVI, Entidade que presidi com muito orgulho e dedicação, é bem consolidada e reconhecida mundialmente pela solidez e rigor na análise de todos os investimentos que são realizados. Dessa forma, todo e qualquer pleito ou investimento oferecido à Previ, caso não atenda aos interesses primordiais dos participantes, são indeferidos ou sequer analisados, sempre com decisões colegiadas e assentadas em corpo técnico de reconhecida competência e idoneidade.
Ainda, importante desmentir que a minha indicação para presidência da Previ esteja vinculada a questões políticas, visto que não sou e nunca fui filiado a qualquer partido político, e a minha trajetória profissional como funcionário do Banco do Brasil teve início como menor-aprendiz, em 1978, e seguiu ao longo de décadas, atuando em várias funções de natureza estatutária.
Permaneço à disposição das autoridades para esclarecer eventuais dúvidas que possam ainda remanescer sobre qualquer assunto ligado à minha administração na PREVI, bem como contribuir com as investigações para a busca da verdade real.
Com a palavra, a Sete Brasil
“A Sete Brasil apresentou um Plano de Recuperação Judicial (RJ), ainda sob a análise dos credores, que prevê a conclusão de quatro sondas conforme já é de conhecimento do mercado. Implementar o plano é a alternativa para viabilizar a companhia, buscando a conclusão de sondas que vão gerar recursos para permitir a recuperação de parte da dívida dos credores, geração de empregos e manutenção da atividade econômica.
Sobre as investigações e informações citadas, a Sete Brasil informa que atual administração apoiou e apoiará as investigações em curso, tendo sido a companhia prejudicada por conta dos fatos narrados”.
Com a palavra, a Previ
O investimento em FIP Sondas foi realizado de acordo com as normas regulatórias vigentes e estava em consonância com a Política de Investimentos da Previ. Foram realizados diversos estudos técnicos antes da aquisição do ativo, que foi realizada obedecendo toda a governança de processo decisório da Entidade.
Em 2010, ano de criação do FIP Sondas, a Previ se comprometeu a investir até R$ 180 milhões ao longo do projeto para adquirir uma participação de 9,9% das cotas do capital total. É importante salientar que o valor investido equivale a cerca de 0,1% das reservas dos planos da Previ. Em 2011 a Previ analisou a decisão da Sete Brasil em participar de uma nova licitação para fornecimento de sondas à Petrobras e decidiu não acompanhar os novos aportes, tendo sua participação diluída ao longo do tempo, chegando aos 2,3% atuais. Os direitos de governança da Previ foram mantidos.
Em 2015 a Previ prestou contas sobre esse tema em uma Comissão Parlamentar de Inquérito, fornecendo informações, documentos e prestando depoimentos. O relatório final da Comissão destacou a prudência da Previ em não acompanhar os novos aportes, comprovando a diligência da Entidade na gestão do patrimônio dos associados.
A Previ está atuando de forma diligente para recuperar o capital investido, analisando diversas alternativas. Seja atuando indiretamente, através das suas deliberações no âmbito do FIP Sondas em relação ao processo de recuperação judicial, como em tentativas de celebração de acordo com a Petrobras.
O modelo de governança da Previ é robusto e transparente, com Políticas de Investimentos desenvolvidas pela Diretoria de Planejamento, executadas pela Diretoria de Investimentos e aprovadas pela Diretoria Executiva e pelo Conselho Deliberativo. Essa segregação de funções traz mais segurança no processo de gestão de investimentos e fortalece o modelo de governança da Entidade, que é reconhecidamente um dos mais modernos do segmento de previdência complementar do país. Isso se demonstra por meio das normas, processos e controles internos da Previ que, não raro, ultrapassam os requisitos da legislação e as exigências feitas pelo principal órgão supervisor do setor, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
É importante ressaltar que a Previ não coaduna com atos ilegais. Caso fique comprovado que o nome da Previ foi utilizado para vantagens indevidas, serão adotadas todas as medidas para reparação de danos. Reforçamos o nosso compromisso com o aprimoramento do sistema de previdência complementar fechada e nos colocamos à disposição da Justiça e das instituições brasileiras para prestar todo e qualquer esclarecimento necessário, à luz dos preceitos constitucionais e legais.
Com a palavra, a Petros
A Petros não teve acesso à delação e não comenta investigações em andamento. A Fundação informa ainda que foram e continuam sendo realizadas Comissões Internas de Apuração para averiguar eventuais irregularidades em investimentos decididos no passado.
Os resultados das apurações internas são encaminhados às autoridades competentes que são responsáveis por realizar investigações, inclusive no âmbito criminal, e, se for o caso, apresentar denúncias contra os envolvidos.
A Petros continua colaborando de forma irrestrita com o Ministério Público.
Com a palavra, a Petrobrás
A Petrobrás, por meio de sua assessoria de imprensa, divulgou comunicado que a empresa fez em março deste ano sobre os termos para um acordo com a Sete Brasil:
“O Conselho de Administração da Petrobras aprovou, em reunião realizada ontem, 28/2, os principais termos para um possível acordo no âmbito do procedimento da mediação extrajudicial em curso com a Sete Brasil Participações S.A. (em recuperação judicial).
Os principais termos são os seguintes:
(i) Manutenção dos contratos de afretamento e de operação referentes a quatro sondas, com o encerramento dos contratos celebrados em relação às demais 24 sondas;
(ii) Os contratos terão vigência de 10 anos com taxa diária de US$ 299 mil, incluindo-se neste valor o afretamento e operação das unidades;
(iii) A saída da Petrobras e de suas controladas do quadro societário das empresas do Grupo Sete Brasil e do FIP Sondas, de forma que não detenha mais qualquer participação societária nessa empresa, bem como o consequente distrato de todos os demais contratos não compatíveis com os termos do acordo.
A celebração de acordo entre Petrobras e Sete Brasil está condicionada à apresentação pela Sete Brasil de operador de sondas de classe internacional e com experiência em águas profundas, em conformidade com os critérios de aprovação da Petrobras. O referido acordo está condicionado também ao êxito na negociação e aprovação, pelos órgãos competentes de ambas as empresas, dos termos e condições finais dos documentos necessários à implementação do acordo.
A companhia reitera que toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação é confidencial em relação a terceiros.”