Partidos terão R$ 4,9 bi dos cofres públicos, mas doações seguem em alta
Por mais que haja reclamação sobre o alto valor do fundo eleitoral que será distribuído em 2022, não faltam dinheiro nem doadores para as campanhas
![PRIORIDADES - Bolsonaro e Lula: o PL vai distribuir recursos para candidatos à Câmara, enquanto o PT concentrará os gastos na campanha do ex-presidente -](https://gutenberg.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Bolsonaro-Lula-1.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
![Bolsonaro-Lula-2 PRIORIDADES - Bolsonaro e Lula: o PL vai distribuir recursos para candidatos à Câmara, enquanto o PT concentrará os gastos na campanha do ex-presidente -](https://gutenberg.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Bolsonaro-Lula-2.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Após a redemocratização, dinheiro nunca foi um problema para as campanhas políticas no Brasil. A regra era a fartura de doadores privados, principalmente empresas interessadas em negócios com o governo, que repassavam recursos a candidatos e partidos por diferentes motivos, de afinidade programática a expectativa de receberem retribuição na forma de favores oficiais. Parte das contribuições percorria os caminhos legais e era declarada à Justiça Eleitoral. Outra parte, no entanto, transitou na clandestinidade e deu origem a grandes escândalos de corrupção, como os Anões do Orçamento, o mensalão e o petrolão. A promiscuidade entre certos financiadores e detentores de mandato levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a vetar em 2015 as doações de pessoas jurídicas, como empreiteiras e bancos. Na época, alegava-se ser imprescindível implodir um mecanismo corrompido e baratear as campanhas. Tudo em defesa da moralidade e dos cofres públicos. Acostumada à verba fácil, a classe política reagiu. Sob o argumento de que “a democracia tem custo”, aprovou a criação de um fundo eleitoral com recursos do Orçamento para financiar as campanhas — e não economizou na iniciativa.
Em 2018, o fundo distribuiu 1,8 bilhão de reais, valor que foi alvo de contestação por setores que o consideravam exorbitante. Não adiantou nada. Em 2022 serão liberados 4,9 bilhões de reais, o equivalente ao dobro do que será gasto com a recente decisão de Jair Bolsonaro de subsidiar o transporte de passageiros com mais de 65 anos. Mesmo assim, há quem ache pouco. É o caso do PL, o partido do presidente da República. A legenda receberá 288 milhões de reais do Fundo Eleitoral neste ano, a sétima maior fatia do bolo (veja o quadro). A parcela a que cada sigla tem direito é calculada com base no tamanho das bancadas de deputados federais eleitas na campanha anterior. Em 2018, o PL elegeu 33. O problema é que, depois da filiação de Bolsonaro, sua bancada cresceu e chegou a 77 integrantes. O fundo eleitoral terá de bancar a candidatura desses 77 deputados, de quinze postulantes ao Senado, de doze concorrentes a governos estaduais e do próprio Bolsonaro. É muita gente para pouca verba, dizem os expoentes do partido, que agora reclamam das dores do crescimento. “É absolutamente insuficiente o fundo eleitoral do PL. A questão dos financiamentos das campanhas é um problema grave”, afirma Altineu Cortes, líder do partido na Câmara.
Diante da alegada dificuldade de caixa, o PL pretende repassar 1 milhão de reais a cada deputado federal da legenda que concorrerá neste ano. A cifra está abaixo da média de mercado formado pelas agremiações de médio e grande portes. O PP, que não se esforçou para filiar Bolsonaro e prioriza a eleição para a Câmara dos Deputados, destinará 2,5 milhões de reais a cada um dos 58 integrantes de sua bancada. Dono da segunda maior fatia do fundo eleitoral, o PT deve repassar 2 milhões de reais a cada deputado federal. Comandado por Valdemar Costa Neto, o PL espera melhorar seu caixa com doações de pessoas físicas, que são autorizadas por lei. Recentemente, o partido divulgou um vídeo em que o próprio Bolsonaro, que sempre fez questão de manter certa distância regulamentar do tema, aparece pedindo contribuições. “O nosso partido cresceu e muito e nós precisamos obviamente de recursos para fazer que o partido cresça cada vez mais”, diz o presidente na peça. “Não interessa quanto você possa doar, interessa é que venha do coração para o bem do nosso Brasil.”
Em meio a um cenário de campanha acirrada, Bolsonaro se tornou parte mais do que interessada no assunto. Em 2018, ele declarou ter gasto apenas 2,8 milhões na campanha. Neste ano, é certo que desembolsará uma quantia próxima ao teto de gastos fixados pela Justiça Eleitoral para candidaturas presidenciais, que é de 88,3 milhões de reais. Boa parte das despesas decorrerá do que os coordenadores de sua campanha chamam de profissionalização da candidatura, que já conta com um marqueteiro e dedicará atenção especial à estratégica — e custosa — propaganda eleitoral na televisão. Para bancar a busca pela reeleição, o PL terá de recorrer às doações de pessoas físicas. Até aqui, os pedidos de colaboração têm sido feitos por Valdemar e pelo senador Flávio Bolsonaro, o primogênito do presidente, em encontros com empresários e banqueiros. Reservadamente, pessoas próximas a Bolsonaro dizem que os recursos obtidos até agora pelo PL são insuficientes e reclamam também da dificuldade de fazer a roda girar. Um dos motivos seria a postura do próprio presidente, que não estaria se empenhando para se reunir com possíveis doadores.
![Plenário do Senado CHAVE DO COFRE - Flávio: encontro com empresários em busca de doações -](https://gutenberg.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/08/FLAVIO-BOLSONARO_49092775992_o.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Nos últimos dias, Bolsonaro declinou de um convite para participar de um encontro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) — convite aceito por seu principal rival, Lula, que compareceu ao evento na entidade na última terça-feira, 9. “Como é que o presidente dá cano em figurões do PIB brasileiro? A Fiesp e o PIB estão abraçando o Lula”, reclama uma pessoa próxima ao mandatário. Enquanto passa o pires, o PL aposta que pelo menos empresários reconhecidamente bolsonaristas, como Luciano Hang, ou ligados ao agronegócio ajudarão financeiramente o candidato à reeleição. Neste ano, o partido já angariou pelo menos 2,5 milhões de reais em doações de pessoas físicas ao seu diretório nacional. A prestação de contas não precisa ser feita em tempo real, o que dificulta o mapeamento exato dos valores recebidos. A maior contribuição individual, de 600 000 reais, foi feita por José Felipe Diniz, acionista do Banco Inter. Quatro integrantes da família que é proprietária da operadora de saúde Hapvida doaram juntos 1,25 milhão de reais — cada um deles contribuiu com a quantia de 312 500 reais.
Nesse quesito, a situação do PT é mais confortável. O diretório nacional da legenda já recebeu pelo menos 8,5 milhões de reais na fase de pré-campanha. Os quatro integrantes da família dona da Hapvida repassaram a mesma quantia de 1,25 milhão de reais, valor que destinaram também ao MDB da senadora Simone Tebet. É da tradição brasileira o financiador repassar recursos para todos os concorrentes — ou pelo menos aos mais competitivos — para não ficar mal com ninguém. Ao contrário do PL, que prioriza as campanhas para deputado federal, uma vez que o prestígio do partido depende da força de sua bancada na Câmara, o PT concentra as energias principalmente em Lula. Até aqui, o maior doador individual ao diretório nacional da legenda foi Jonas Barcellos Correa Filho, da Brasif, com 2,1 milhões de reais. Com ou sem doações de pessoas físicas, o ex-presidente receberá todos os recursos necessários.
No fim de junho, Lula participou de um jantar organizado pelo Grupo Prerrogativas — formado por advogados que militaram por sua libertação e contra a atuação de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato — para agradecer as doações recebidas e pavimentar o caminho para que outras sejam feitas. Há a expectativa de que artistas e influenciadores ajudem a sigla a captar mais doações. Em 2022, o ex-presidente terá um tesoureiro específico para a sua campanha, diferente do tesoureiro do partido. Será Márcio Macêdo, que assumiu recentemente o mandato de deputado federal e é conhecido pela discrição. Houve um tempo em que uma mesma pessoa cuidava do caixa do partido e da candidatura presidencial, mas esse sistema foi abandonado depois que alguns companheiros, como Delúbio Soares e João Vaccari Neto, acabaram presos acusados de participar de esquemas de corrupção. Com a deflagração da Operação Lava-Jato, o fluxo de recursos de empresas para campanhas foi formalmente interrompido por decisão do STF e deu lugar ao financiamento com recursos públicos. A troca de modelo não mudou um ponto essencial: por mais que haja reclamação, não faltam dinheiro nem doadores para as campanhas eleitorais.
Publicado em VEJA de 17 de agosto de 2022, edição nº 2802