A menos de uma semana do julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra sua condenação a nove anos e seis meses de prisão na Operação Lava Jato, sua defesa apresentou ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) um novo trunfo para buscar a absolvição do petista.
A carta na manga é uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), tomada em dezembro pela juíza Luciana Corrêa Tôrres, que autorizou a penhora do tríplex 164-A do Condomínio Solaris, no Guarujá (SP), para garantir o pagamento de uma dívida da OAS. O imóvel, conforme a sentença do juiz federal Sergio Moro, em primeira instância, foi dado a Lula pela empreiteira como propina.
No curso da ação penal, os defensores do ex-presidente já haviam argumentado a Moro que, em 2010, a OAS dera o tríplex em garantia à emissão de 300 milhões de reais em debêntures (títulos de crédito). Na operação, diz a defesa, os direitos econômicos do imóvel foram repassados a um fundo administrado pela Caixa Econômica Federal, o que comprovaria que ele não poderia ter sido reservado ou dado a Lula.
O juiz considerou, no entanto, que se tratava de uma “operação normal de financiamento” da empresa e apontou que todos os imóveis do empreendimento, e não apenas o tríplex 164-A, foram dados como garantia. Na sentença, o juiz federal concluiu que o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia eram os “proprietários de fato” do imóvel. “Não é suficiente um exame meramente formal da titularidade ou da transferência da propriedade”, escreveu o magistrado.
A recente decisão de penhora, para a equipe de advogados liderada por Cristiano Zanin Martins, comprovaria com ainda mais eloquência que o petista “jamais foi proprietário do indigitado imóvel”, “razão pela qual não há que se falar em recebimento do tríplex como vantagem indevida”.
Para especialistas em direito imobiliário e direito penal ouvidos por VEJA, no entanto, a nova argumentação tende a ser tão ineficaz juridicamente quanto a anterior. Isso porque, na visão deles, não se discute na ação em que Lula foi condenado quem é o proprietário do tríplex do Guarujá por direito – o imóvel sempre esteve registrado em nome da OAS –, mas quem seria o proprietário de fato dele.
Marcelo Tapai, sócio do escritório Tapai Advogados, entende que a decisão que determinou a penhora é “irrelevante” ao julgamento da próxima semana. “Documentalmente, tecnicamente, o tríplex está em nome da OAS, mas não é isso que se discutiu no processo em Curitiba. O que se buscou na investigação foi provar que Lula é o dono de fato do apartamento, que não estaria no nome dele para dissimular o pagamento de propina”, afirma.
O advogado Rodrigo Iaquinta, do escritório Braga Nascimento e Zilio, estabelece uma diferença entre a análise da posse do tríplex nas esferas do direito penal (como foi a de Sergio Moro e será a do TRF4) e civil (caso da decisão do DF). “Esse registro de propriedade existente em nome da OAS perde a sua robustez, na esfera criminal, uma vez que o conjunto probatório indica, segundo o entendimento da sentença proferida pelo juiz Sergio Moro, que a propriedade de fato é do ex-presidente, não possuindo relevância a propriedade legal do imóvel”, afirma Iaquinta.
“Esta situação se chama ‘princípio da verdade real’. Isto é, busca-se no processo penal a verdadeira realidade dos fatos, a essência das situações jurídicas trazidas em juízo”, continua o advogado, para quem a penhora determinada do apartamento 164-A do Condomínio Solaris “não inviabiliza, nem contradiz” o entendimento de Moro. “Na esfera criminal esse tipo de situação é vista, em outras circunstâncias e situações, quando se utiliza de um ‘laranja’ para realizar atos ilícitos, por exemplo”, exemplifica.
O raciocínio se repete na esfera do direito penal, que é onde se dará o julgamento do TRF4. A criminalista Fernanda de Almeida Carneiro, professora de pós-graduação do IDP-São Paulo, explica que colocar o bem em nome de terceiros é um efeito do crime de lavagem de dinheiro por meio da posse de imóveis. Ela ressalta que, embora a decisão da penhora seja utilizada para reforçar a alegação de que o imóvel não pertence a Lula, o julgamento do recurso na corte federal deve se restringir a provas já apresentadas.
O julgamento de Lula
O recurso de Lula é o primeiro item da pauta de julgamentos da 8ª Turma do TRF4 após o retorno do recesso do Judiciário. O petista foi condenado pelo juiz federal Sergio Moro a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo recebimento de 2,2 milhões de reais propina da OAS por meio da doação e da reforma do tríplex no Guarujá (SP).
Se os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus confirmarem a condenação imposta por Moro, Lula, que lidera as pesquisas à disputa presidencial de 2018, ficará inelegível e poderá ser preso, com base no atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite o cumprimento das penas após uma decisão colegiada.
Mesmo condenado, o ex-presidente pretende brigar para ser candidato. Para isso, deve buscar um efeito suspensivo do acórdão – medida que faria com que a sentença só fosse cumprida ao final do processo. Se conseguir a suspensão e for condenado depois pelo STJ ou pelo STF, o ex-presidente ainda pode enfrentar processos posteriores de cassação da candidatura, em uma novela jurídica que pode durar meses e chegar até os primeiros meses de um eventual governo.
Entenda abaixo os possíveis cenários para a candidatura de Lula após o julgamento de 24 de janeiro no TRF4: