Um laudo sigiloso elaborado por peritos da Polícia Federal, a que VEJA teve acesso, aponta que a pistola que a Polícia Militar da Bahia afirma ter sido utilizada pelo miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, morto em um alegado confronto com os policiais em fevereiro de 2020 no município de Esplanada (BA), sumiu temporariamente da cena do crime e reapareceu, sem maiores explicações, nas mãos da Polícia Civil estadual.
A arma, uma 9 mm austríaca semiautomática, teria sido encontrada pelos PMs responsáveis por capturar Adriano ao lado do corpo daquele que é apresentado como chefe do Escritório do Crime, um consórcio de matadores de aluguel a serviço de bicheiros e milicianos no Rio de Janeiro. Sem que houvesse sido feita nenhuma análise preliminar ou pericial da arma, a PM baiana simplesmente a retirou do local do assassinato e tempos depois a reapresentou, desta vez à Polícia Civil.
O sumiço temporário da 9 mm atribuída a Adriano é apenas um dos diversos episódios mal explicados que circundam o assassinato do miliciano e que, às vésperas de o crime completar quatro anos, impedem que todo o episódio seja completamente esclarecido. A edição de VEJA que chega neste fim de semana às bancas e plataformas digitais esmiúça as mais de 4.000 páginas da investigação do Ministério Público baiano, aberta imediatamente após a operação policial em Esplanada.
O que foi descoberto na morte de Capitão Adriano?
Para além da arma, adaptada para que se transformasse em uma pistola automática, no local onde Adriano da Nóbrega foi morto o Ministério Público da Bahia diz terem sido encontrados um carregador da arma, quatro estojos, seis munições intactas, além de onze celulares e sete chips para celular. Contrariando dez em cada dez manuais de polícia, a cena do crime não foi preservada, como admitiram os próprios PMs investigados no caso em depoimentos anexados ao processo. Laudos policiais também obtidos por VEJA mostram que, como consequência, parte dos projéteis se perdeu logo após a morte.
Feita ainda em 2020, uma primeira perícia mostra que foram encontradas apenas três cápsulas da arma que teria sido usada por Adriano, embora depoimentos creditem ao miliciano o disparo de sete tiros e na casa haja quatro perfurações nas paredes e duas marcas leves de tiro em outras partes do imóvel compatíveis com a mesma pistola.
Os peritos levantaram a hipótese de uma mesma bala ter ricocheteado, mas ainda assim, a conta não fecha. Seria esperado, segundo eles, que fossem encontradas de cinco a sete cápsulas detonadas – as das quatro perfurações visíveis nas paredes, pelo menos uma da marca mais leve e duas outras das armas utilizadas pelos policiais militares. As duas cápsulas das armas usadas pelos PMs, aliás, também desapareceram.
Em depoimento ao MP baiano, Julia Lotufo, viúva de Adriano, afirmou aos investigadores que o miliciano, que fugiu assim que teve seu paradeiro descoberto, não teria levado armas ao tentar escapar do cerco. Em depoimento aos investigadores, o fazendeiro e amigo de Adriano Leandro Guimarães, que abrigou o casal até a véspera, sequer foi questionado sobre o miliciano estar ou não armado ou ter levado armas do esconderijo anterior.
Qual a relação de Bolsonaro com Capitão Adriano?
Embora tenha aparecido no noticiário criminal em 2003, quando foi acusado de extorquir, torturar e executar o guardador de carros Leandro dos Santos Silva, o ex-capitão do BOPE dificilmente ganharia projeção nacional não fosse sua parceria – estratégica e financeira – com integrantes da família Bolsonaro.
Quando estava preso sob a acusação de assassinar Leandro, ele recebeu a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), do hoje senador Flávio Bolsonaro, de quem havia sido instrutor de tiro, e a pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Pelas mãos do ex-PM Fabrício Queiroz, o ex-faz-tudo dos Bolsonaro, a mãe e a ex-mulher do miliciano foram contratadas como funcionárias fantasma do gabinete de Flávio na Alerj. O MP do Rio acusou as duas de integrar um esquema de rachadinha em benefício do hoje senador.