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Planos para mudar orçamento secreto não resolvem falta de transparência

Deputados e senadores se movimentam para alterar o controverso mecanismo. A tendência é que a mudança deixe tudo do jeito que está

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h28 - Publicado em 29 out 2022, 08h00

A campanha do ex-presidente Lula levou à televisão peças publicitárias nas quais chamou de “maior esquema de corrupção do planeta Terra” a bilionária verba que o Congresso destina para obras e serviços nos estados e municípios. Protagonista de escândalos que também ganharam nomes superlativos, o petista mira o chamado orçamento secreto, um sistema pelo qual deputados e senadores enviaram 45 bilhões de reais nos últimos dois anos às suas bases eleitorais. Não há, em princípio, nada de errado nessa atividade dos parlamentares. O que se questiona é a falta de transparência que tem gerado suspeitas de mau uso do dinheiro público e, claro, também de corrupção. Recentemente, por exemplo, dois empresários foram presos no Maranhão. A Polícia Federal descobriu que eles embolsaram uma bolada por serviços não prestados. Os recursos desviados eram do Orçamento federal e foram enviados à prefeitura de Igarapé Grande, mas não se sabe exatamente a pedido ou por recomendação de quem — daí o termo “secreto”. O candidato petista acusa Jair Bolsonaro de usar o mecanismo para comprar apoio político.

Indagado a esse respeito, o presidente da República, de início, se limitava a dizer que nada tinha a ver com o orçamento secreto, assunto da alçada do Congresso. Depois, passou a rebater as críticas apontando a contradição dos petistas, que também usavam as verbas anônimas alvos das críticas de Lula. Como o assunto continuou em pauta, Bolsonaro afirmou recentemente que, se reeleito, vai extinguir o mecanismo de distribuição de recursos, mas não deu maiores detalhes de como pretende fazer isso. Lula também garantiu que, se retornar ao Palácio o Planalto, pretende acabar com esse modelo. O fato é que os dois candidatos se esquivaram de apresentar uma proposta concreta para resolver o que tende a ser uma dor de cabeça para qualquer um deles num futuro governo, especialmente porque os maiores interessados no assunto, os deputados e os senadores, não se mostram dispostos a enfrentar o ponto crucial do problema.

A VEJA, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), confirmou que, depois das eleições, mudanças devem ser feitas. “É importante buscar a máxima qualidade do gasto público e priorizar as necessidades do país dentro de uma escala de importância real”, disse ele. Na mesma linha, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fala em “aperfeiçoamento” das regras. O Orçamento de 2023 prevê a destinação de 19 bilhões de reais para serem distribuídos por meio das chamadas emendas de relator, o parlamentar encarregado de repassar ao Executivo as demandas dos colegas congressistas sem identificá-­los. As negociações sobre a destinação dessas verbas não são públicas, envolvem prefeituras e interesses muitas vezes inconfessáveis. Por isso, Lula tratou o tema como “esquema de corrupção”. Foi por isso também que no último debate presidencial, em resposta, Bolsonaro exibiu uma lista de deputados do PT que lançaram mão do secretismo para enviar dinheiro às suas bases eleitorais.

CONTRADIÇÃO - Bolsonaro: deputados de oposição na lista de beneficiários -
CONTRADIÇÃO - Bolsonaro: deputados de oposição na lista de beneficiários – (Sebastião Moreira/EFE)

Nas últimas semanas, advogados, técnicos e líderes de várias legendas discutem maneiras de tornar menos turva a forma de distribuição dos recursos do Orçamento. Não será uma tarefa das mais simples. A transparência permitiria, por exemplo, identificar quem foi o autor da emenda que destinou 7 milhões de reais a Igarapé Grande, dinheiro supostamente utilizado para pagar 12 000 radiografias apenas de dedo, embora a cidade só tenha 11 000 habitantes — uma fraude grotesca. Prenderam os empresários, investigam os ordenadores da despesa, mas o nome do autor da emenda continua desconhecido. Isso não significa necessariamente que um deputado ou senador esteja ligado ao golpe, mas, se por ventura estiver, o secretismo ajuda a protegê-lo — blindagem de que os parlamentares, a quem cabe mudar as regras, não estão dispostos a abrir mão. “É uma falácia dizerem que o orçamento é secreto. É um dinheiro que sai, é publicado e é feita uma ordem de serviço. Mas tudo bem, se a sociedade está exigindo, vamos aperfeiçoar”, diz o deputado Elmar Nascimento, líder do União Brasil.

A pressa dos parlamentares tem explicação. O Supremo Tribunal Federal deve julgar ainda neste ano a legalidade desse modelo de repartição de verbas. A tendência entre os ministros é considerá-lo inconstitucional. O Congresso quer evitar que isso aconteça. Uma das propostas em estudo prevê o remanejamento de parte dos recursos para outras rubricas e a inclusão de um segundo parlamentar para dividir a responsabilidade pela apresentação das emendas com relator-geral da Comissão de Orçamento. Em tese, a alteração dificultaria a ação de políticos mal-intencionados e ampliaria o raio da fiscalização, mas não resolve a questão da transparência. Ou seja: uma mudança para deixar tudo como está.

Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813

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