O tenente-coronel reformado da Força Aérea Brasileira Marcos Cesar Pontes é dono de um recorde sem previsão para ser quebrado: foi o brasileiro que voou mais alto, em 2006, até os 408 quilômetros de altura onde flutua a Estação Espacial Internacional, na órbita da Terra. Empossado titular do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019, ele mantém o hábito de ir longe. É o ministro que mais viajou para fora do país na atual gestão, com uma quilometragem que daria para realizar 454 vezes o percurso de ida e volta que fez a bordo da nave russa Soyuz na pioneira missão espacial. Levantamento feito por VEJA com base em dados do governo mostra que ele fez 107 viagens, vinte internacionais —de Paris à Antártica —, e gastou meio milhão de reais em diárias e passagens (veja o quadro abaixo).
Há um contraste entre essa agenda viajandona (incluindo o gasto demandado pelos tours constantes) e a realidade da pasta que comanda. Nesta semana, ele ameaçou pedir demissão após o corte de 690 milhões de reais, ou 90%, do orçamento de pesquisa. Não só voltou atrás, como não perdeu a oportunidade de ir a outra viagem, ao lado de Bolsonaro, a Aparecida na terça 12, no interior paulista. Perto do corte, o gasto com viagens pode parecer pequeno, mas não é: ele supera o investido em projetos estratégicos como a construção do Reator Multipropósito Brasileiro, que produzirá insumos para a medicina nuclear e acabará com a dependência externa. O reator recebeu 410 000 reais em 2021.
Essas andanças tampouco resultaram em ganhos expressivos para a ciência. Em geral, elas são para a participação em congressos, inaugurações ou assinatura de protocolos. A agenda tem excentricidades como uma ida ao Guinness Book na Flórida para reivindicar ao Brasil o recorde de coleta de resíduos eletrônicos. Ironicamente, um dos acordos mais importantes da pasta, o que incluiu o Brasil no Projeto Artemis, da Nasa, foi assinado por ele em Brasília. No total, o ministro ficou afastado para viagens em um a cada três dos pouco mais de 1 000 dias no cargo. Em março, ele estava na Índia quando Bolsonaro vetou trecho de lei que impedia a retirada de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, maior fonte de financiamento do setor. “Com o ministro viajando, tivemos de articular a derrubada do veto no Congresso”, diz Celso Pansera, secretário executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento.
Preservar o investimento em ciência sempre foi difícil no Brasil, mas isso se agravou no período em que Pontes está no comando. Com pouca influência no Congresso e dentro do próprio governo, ele viu o orçamento da pasta, que era de 13,6 bilhões de reais quando assumiu, cair para 8 bilhões de reais neste ano. “Pontes deveria usar todo o prestígio que eventualmente possa ter com o presidente para mudar esse quadro”, critica Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Quando soube do último corte, o ministro estava em outra viagem, a São Paulo, com Bolsonaro, em uma feira sobre nióbio. Na quarta 13, disse na Câmara que foi pego de surpresa e que vai tentar reverter com o presidente. Mas já preparava as malas para uma viagem de duas semanas para Dubai, a partir do dia 15. “Ele expõe suas divergências de forma pública, mas faz parte de um governo que nega a ciência”, diz o deputado Aliel Machado (PSB-PR), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia. Falta de verba, porém, nem é o único problema. Em agosto, a CGU viu falhas de execução e planejamento em dois projetos prioritários: o acelerador de partículas Sirius e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano). Treze problemas apontados terão de ser corrigidos no processo em andamento.
Outra iniciativa de Pontes foi a promessa de desenvolver uma vacina nacional contra a Covid-19, o que ainda não ocorreu. Duas delas, a Versamune (parceria com a USP) e a SpiNTec (UFMG), aguardam autorização para estudos clínicos na Anvisa — a primeira desde março e a segunda desde julho. Para piorar, o corte atingiu toda a verba de 50 milhões de reais que iria para o Centro Nacional de Vacinas, em Belo Horizonte, que é estratégico para esses projetos e cuja pedra fundamental foi lançada por ele e Bolsonaro em 30 de setembro.
A situação desafia o ministério, que desde 2011 carrega no nome a palavra “Inovações”, que pode ser entendida como a aplicação do conhecimento para obter ganhos de eficiência. A combalida ciência nacional, resiliente a anos de subfinanciamento, aguarda que o conceito vire realidade na pasta, sob pena de acentuar um efeito deletério: de 2019 a 2020, o Brasil caiu de 45º para septuagésimo lugar em retenção de cérebros, segundo a instituição francesa Insead. São pessoas que buscam o aeroporto por motivos diferentes daqueles que movem o ministro. E que talvez demorem a voltar.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760