Três dias antes de o então juiz federal Sergio Moro enviar uma mensagem a Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal, queixando-se do desempenho da procuradora Laura Tessler, ela participou de uma audiência com os ex-ministros Henrique Meirelles e Luiz Fernando Furlan sem ter feito nenhuma pergunta às duas testemunhas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do tríplex do Guarujá. Depois disso, não participou de mais nenhum interrogatório do caso.
Os dois foram ouvidos por videoconferência no dia 10 de março de 2017, uma sexta-feira, em audiências em que apenas a defesa do ex-presidente Lula fez perguntas. Naquela ocasião, Meirelles e Furlan disseram não ter observado qualquer atuação irregular do petista na presidência — os depoimentos foram breves, não duraram nem quinze minutos. Quando Moro passou a palavra ao MPF, Tessler limitou-se a dizer: “Sem perguntas”. As audiências foram encerradas pelo então juiz logo em seguida.
De acordo com as mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil, Moro reclamou da procuradora a Dallagnol na segunda-feira seguinte aos depoimentos, no dia 13 de março de 2017: “Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem”.
Novos diálogos divulgados indicam que o comentário surtiu efeito. Segundo mensagens divulgadas no programa ‘O É da Coisa’, comandado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, na rádio Band News FM, em parceria com o The Intercept Brasil, Dallagnol repassou a reclamação de Moro ao colega Carlos Fernando dos Santos Lima — nos diálogos, os dois preocupam-se em manter a conversa em sigilo.
“Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão 2, e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição, sem mencionar ela”, diz Deltan. Carlos Fernando responde: “Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho [os procuradores Júlio Noronha e Roberson Pozzobon] fossem também. No do Lula não podemos deixar acontecer”. Dois depois depois após a conversa, em 15 de março, Pozzobon já representava o MPF em audiências da ação do tríplex do Guarujá.
Tessler não participou de mais nenhum depoimento no processo que culminou na condenação de Lula na Lava Jato. Dupla considerada mais experiente, Pozzobon e Noronha estiveram presentes em todos os encontros seguintes, inclusive o do delator Léo Pinheiro, que atribuiu o apartamento a Lula, e no interrogatório do próprio petista, em maio de 2017. O ex-presidente foi sentenciado por Moro em julho daquele mesmo ano.
Audiência no Senado
Moro foi questionado sobre a crítica à procuradora, considerada uma intervenção do juiz no trabalho da acusação, pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), na audiência da qual participou o ministro na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Moro negou irregularidade ou que sua crítica tivesse qualquer consequência.
“Senador, pelo teor das mensagens, se elas forem autênticas, não tem nada de anormal nessas comunicações. O exemplo que Vossa Excelência colocou é o claro exemplo de um factoide. Eu não me recordo especificamente dessa mensagem, mas o que consta no caso divulgado pelo site é uma referência de que determinado procurador da República não tinha o desempenho muito bom em audiência e para dar uns conselhos para melhorar. Em nenhum momento no texto, há alguma solicitação de substituição daquela pessoa. Tanto que essa pessoa continua e continuou realizando audiências e atos processuais, até hoje, dentro da operação Lava Jato“, disse Moro.
Outro lado
Em nota oficial, o Ministério Público Federal repudiou a divulgação dos diálogos entre Dallagnol e Santos Lima, disse que a autenticidade das conversas não é confirmada e as classificou de fake news. O órgão também argumenta que a procuradora Laura Tessler continuou atuando em processos da Lava Jato e cita a ação penal contra o ex-ministro Antonio Palocci. “Como sempre, sua atuação firme, técnica e dedicada [Tessler] contribuiu decisivamente para a condenação, somente nesse caso, de 13 réus acusados de corrupção e lavagem de dinheiro a mais de 90 anos de prisão, incluindo o ex-ministro Antônio Palocci.”
O MPF nega que tenha havido “qualquer alteração na sistemática de acompanhamento de ações penais por parte de membros da força-tarefa. Assim, os procuradores e procuradoras responsáveis pelo desenvolvimento de cada caso acompanharam as principais audiências até o interrogatório, não se cogitando em nenhum momento de substituição de membros, até porque todos vêm desenvolvendo seus trabalhos com profissionalismo, competência e seriedade.”
A nota do MPF também afirma que Noronha e Pozzobon também estiveram presentes nas principais medidas de investigação do processo do tríplex, como quando Lula foi alvo de condução coercitiva para depor no aeroporto de Congonhas em março de 2016, em buscas no Instituto Lula, na apresentação da denúncia em setembro de 2016 e em dezesseis das dezoito audiências judiciais do caso realizadas no ano de 2017.
Também por nota, o Ministério da Justiça, hoje comandado por Moro, afirma que “não se reconhece a autenticidade, pois pode ter sido editada ou adulterada pelo grupo criminoso, que mesmo se autêntica nada tem de ilícita ou antiética. A suposta mensagem já havia sido divulgada semana passada, nada havendo de novo. Na suposta mensagem não haveria nenhuma contradição com a fala do ministro ao Senado Federal, como especulado. Cabe esclarecer que o texto atribuído ao Ministro fala por si, não havendo qualquer solicitação de substituição da procuradora, que continuou participando de audiências nos processos e atuando na Operação Lava Jato.”