Radicais amenizam o tom e anunciam que pretendem disputar cargos eletivos
Depois de ataques contra as instituições, nomes da ala mais extremada do bolsonarismo se filiam a partidos políticos de olho em 2022
Há várias coisas em comum entre o blogueiro Oswaldo Eustáquio, a ativista Sara Winter, o caminhoneiro Zé Trovão e o sojicultor Antonio Galvan. Os quatro são considerados expoentes da ala mais radical do bolsonarismo. Os quatro defendem, entre outros absurdos, o fechamento de instituições como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Os quatro são investigados por participarem ativamente dos chamados atos antidemocráticos. Os quatro, por essa razão, convivem com a polícia e a Justiça em seu encalço. Eustáquio e Sara passaram uma longa temporada presos. Zé Trovão continua preso. Galvan teve seus endereços revirados por agentes da Polícia Federal. Depois de todos esses percalços, os quatro decidiram mudar de vida, militar em outra esfera, curiosamente uma das que eles mais criticam, combatem e desprezam. Os quatro pretendem disputar uma vaga no Parlamento em 2022.
Assim como há quem acredite que a Terra é plana, que existem ETs aprisionados em bases secretas e que a vacina contra o coronavírus é parte de um plano de dominação, também tem gente que acha que figuras como Zé Trovão têm alguma contribuição a dar ao debate democrático. “O Zé Trovão é bem-vindo ao PL”, diz o senador Jorginho Mello (PL-SC), pré-candidato ao governo do Estado. “Ele não tem condenação nenhuma, pode ser um bom candidato”, completa. O parlamentar é um dos mentores da ideia de lançar o caminhoneiro para disputar uma cadeira no Congresso, talvez até no Senado. Trata-se de um projeto extremamente ambicioso, mas não impossível. Calcula-se que sejam necessários mais de 1 milhão de votos para eleger um senador em Santa Catarina. Mas esse estado hoje é claramente um dos que mais apoiam Bolsonaro (mesmo quando o presidente flerta com atos antidemocráticos). Zé Trovão ganhou notoriedade ao liderar um grupo que foi a Brasília apoiar o presidente Bolsonaro no último dia 7 de setembro. Pelas redes sociais, ele conclamou os colegas a invadirem o STF – e, por causa disso, está preso há quase dois meses.
Os mentores da candidatura acreditam que a militância radical do caminhoneiro pode atrair um grande número de votos. É o mesmo raciocínio que o PMN de São Paulo faz em relação a Oswaldo Eustáquio. Em 2020, O blogueiro ficou detido numa penitenciária em Brasília, de onde saiu numa cadeira de rodas. Os carcereiros afirmam que ele levou uma queda. Eustáquio garante que perdeu o movimento das pernas e dos braços depois de uma sessão de tortura. Ele conta que sua conversão à política, como candidato a deputado federal por São Paulo, tem o objetivo de fortalecer uma coalizão conservadora. “Vamos formar uma frente ampla para apoiar o presidente Bolsonaro”, diz. Antes de ser preso, o blogueiro usava as redes sociais para defender, entre outras coisas, uma intervenção militar.
“Vamos eleger o Oswaldo Eustáquio usando apenas as redes sociais. Ele é um cara muito bem-visto, que foi injustiçado, quebraram a coluna dele”, diz João Francisco Garcia, presidente do PMN paulista. Eustáquio, aliás, não se considera radical. Muito pelo contrário. Ele garante que agiu para conter os radicais que queriam invadir o STF. No dia 7 de setembro, conta, ele estava no México, ao lado de Zé Trovão, quando caminhoneiros telefonaram para perguntar sobre o ataque ao Supremo. “Eles ligaram pra gente no México, no celular do Zé Trovão. ‘Trovão, estamos aqui, na frente do STF, é só você dar a ordem que, em dez minutos, a gente toma o STF’. O Trovão disse: ‘Toma como?’. Eles disseram: ‘A gente vai quebrar tudo’. O Zé olhou pra mim, a gente estava no viva-voz, eu balancei a cabeça e dei sinal negativo. O Trovão falou para eles: ‘Negativo, o STF é uma entidade nossa, que tem o nosso respeito. Nós lutamos contra as arbitrariedades’.” Muito diferente do que a polícia apurou.
Outra “estrela” dessa constelação radical é a ativista Sara Winter, que ficou conhecida por uma bizarra manifestação pedindo o fechamento do STF. Filiada ao DEM, ela foi presa e expulsa do partido. A ativista ainda não decidiu se disputará a próxima eleição, mas se filiou ao PTB, a convite do ex-deputado Roberto Jefferson, que está preso. O partido, aliás, aposta suas fichas em outro personagem que também ganhou notoriedade nessa faixa. Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, Antonio Galvan, que pretende disputar uma cadeira no Parlamento por Mato Grosso, é apontado pela PF como um dos financiadores dos atos antidemocráticos. “Estamos conversando com vários partidos”, diz ele. “Tem um grande potencial de votos. Quero ele no partido”, confirma Graciela Nienov, presidente do PTB. Para o cientista político Paulo Kramer, o desempenho eleitoral dos radicais bolsonaristas vai depender de Jair Bolsonaro. “Esses são os famosos candidatos ‘aba de chapéu’. O sucesso deles está condicionado à disposição do presidente em emprestar a eles parte de seu eleitorado”, diz. Eis a questão. O fenômeno que em 2018 elegeu figuras escalafobéticas, como Bia Kicis e Carla Zambelli, talvez não seja tão intenso em 2022.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769