O juiz Sergio Moro determinou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se apresente voluntariamente à Polícia Federal de Curitiba até as 17h desta sexta-feira, 6, para dar início ao cumprimento de sua pena – ele foi condenado pelo Tribunal Regional Federal (TRF4) a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá.
Não será a primeira vez de Lula na cadeia. O ex-presidente já foi preso quando ainda era líder sindical em ascensão e um dos nomes mais conhecidos da oposição à Ditadura Militar (1964-1985).
Em 19 de abril de 1980, no 17º dia de uma greve de operários que parou o ABC Paulista, ele foi detido pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão de repressão política do regime. Na época, Lula era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, um dos berços do PT, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade em 2014, Lula disse que sua detenção foi produto de um processo de longo prazo. ”Eles [agentes da ditadura] me vigiavam no cinema. Na assembleia, a gente notava que eles estavam lá. Às vezes, disfarçados no bar do sindicato. Na minha casa, por exemplo, eles paravam a perua na porta e passavam a noite”, afirmou.
Em Lula, o Filho do Brasil, livro que inspirou o filme homônimo, a jornalista Denise Paraná também fala sobre a vigilância ostensiva à qual o sindicalista e sua companheira, Marisa Letícia, estavam submetidos. ”Eram quatro ou cinco homens dentro de Veraneios, vigiando. E quando Lula ou Marisa saíam de carro, para qualquer lugar que fossem, eram seguidos”, diz um trecho do livro.
Lula era aconselhado por seus aliados a deixar o país, mas nunca aceitou a ideia, relata a jornalista no livro. Então com 34 anos, o ex-presidente foi enquadrado pela ditadura na Lei de Segurança Nacional (LSN), que definia quais crimes eram subversivos e atentavam contra a ordem político-social do país.
A prisão
Na madrugada daquele sábado, por volta das 6h, a polícia bateu à porta da casa em que Lula vivia com Marisa Letícia. Ele teria reagido com naturalidade. ”Sentou na cama e, calmamente, pediu um café. Já esperava por aquele momento e não parecia assustado”, relata outro trecho do livro.
Para o petista, sua prisão foi uma ”burrice” dos militares e deu sobrevida ao movimento. ”Eles nos prenderam e conseguiram criar um clima de guerra”, acrescentou.
Na mesma intervenção que levou o petista à prisão, foram detidos outros sindicalistas, como José Cicote (que mais tarde elegeu-se deputado federal e vice-prefeito de Santo André), Djalma Bom (deputado federal e vice-prefeito de São Bernardo do Campo) e José Maria de Almeida (quatro vezes candidato à Presidência da República pelo PSTU) e os advogados José Carlos Dias e Dalmo Dallari, membros da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, um dos principais organismos de resistência à ditadura.
Bem tratado
No Dops, Lula e os demais presos não foram torturados, prática comum durante a ditadura. À Comissão da Nacional da Verdade, o petista disse que foi bem tratado pelo então delegado Romeu Tuma, então chefe do Dops e posteriormente senador por São Paulo (1995 a 2010). ”Saí algumas vezes, durante a noite, para ver a minha mãe, que estava com câncer”, disse o ex-presidente. O sindicalista foi liberado para despedir-se de Eurídice Ferreira de Melo, conhecida como “Dona Lindu”, em seu enterro, no cemitério da Vila Pauliceia.
O líder sindical gozou de privilégios na cadeia. ”O fato de ser sindicalista e estar brigando por melhores condições de vida criou uma simpatia muito grande entre os investigadores”, relatou o petista. Lula conta que ele e seus companheiros dispunham de rádios e jornais, por exemplo. Tuma ameaçou suspender os benefícios, quando o petista promoveu assembleias com os investigadores. ”Ele fez um escarcéu dizendo que eu não iria ter tratamento especial, que iria tirar rádio e jornal, mas ele saiu e o rádio continuou ligado”, conta o petista.
À Comissão Nacional da Verdade, o petista contou ainda que Tuma atendeu ao seu pedido e disponibilizou uma televisão para que o petista, corintiano fanático, pudesse acompanhar um jogo do seu time do coração contra o Botafogo-RJ.
A morte da mãe
Durante o período em que esteve preso, Lula também teve um habeas corpus negado, em 2 de maio de 1980. Em resposta, um grupo de mulheres realizou uma passeata exigindo a libertação dos sindicalistas, que, para reforçar as manifestações, iniciaram uma greve de fome, da qual o petista participou a contragosto. ”Sempre fui contra greve de fome, judiar do meu próprio corpo não é comigo, mas o pessoal decidiu”, explicou à comissão. De dentro da prisão, conta ter recebido recados de Frei Chico, seu irmão e um dos seus principais aliados, aconselhando-o a encerrar a greve – ele refutou a sugestão porque temia ser tachado como “traidor”.
O receio advinha dos desdobramentos da greve realizada na fábrica da Scania, em 1978. Na ocasião, cerca de 2 000 trabalhadores cruzaram os braços reivindicando aumento salarial. Lula conduziu as negociações e foi acusado pelos companheiros de ter fechado um acordo prejudicial à categoria. A decisão pelo fim da greve foi tomada pelos trabalhadores, em assembleia geral no interior da igreja matriz de São Bernardo do Campo. A categoria decidiu voltar aos trabalhos. Não houve aumento salarial nem acordo com o governo. O movimento enfraqueceu-se e esvaiu-se, como previu Lula.
O ex-presidente foi mantido preso até 20 de maio. Condenado pela Lei de Segurança Nacional, foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar, mas cassado do cargo de presidente do sindicato.