Sérgio Cabral fala a VEJA: “Me arrependo”
Da cadeia, onde cumpre pena de 282 anos, o ex-governador concedeu, por escrito, a primeira entrevista desde sua prisão
Para tentar novamente a delação premiada e abrandar a pena, o ex-governador Sérgio Cabral prepara-se para voltar à carga: entregará outras 75 denúncias, inéditas, segundo ele. VEJA teve acesso a onze desses detalhamentos, que enredam 24 personagens da política. Todos desmentidas. Leia a reportagem completa sobre o caso e confira, a seguir, a entrevista a VEJA, a primeira desde sua prisão:
Qual foi o dia que o senhor cruzou a linha da corrupção? No Brasil, quando você se torna líder majoritário, é inevitável. A legislação brasileira é pouco pragmática e o financiamento público é uma falácia.
Por que desviou tanto dinheiro dos cofres públicos? Não virei dono de rádio, televisão, fazendas, construção civil. O porcentual de 3% a 5% não era o usual. A prática nos três poderes era de 10% a 30%. Por fazer acordos menos danosos que o comum, achava-me — erroneamente — voando abaixo do radar.
Acreditava que nunca seria descoberto? Sim. A sensação de impunidade ainda está presente em parte expressiva da vida pública e privada brasileira.
O que fez com sua riqueza? Gastei na vida política e na vida pessoal. Não devia ter feito isso. Devolvi 100 milhões de dólares em depósitos que confirmei serem meus, 60 milhões de reais em imóveis e as joias.
No momento atual, quem não convidaria para um café? Não convidaria o Sérgio Cabral do passado, que achava normal obter benefício ilícito de uma situação.
Qual a sensação de estar no topo do mundo e, de repente, desabar? Não há topo, nem chão, o que há é a beleza da vida.
Está arrependido? Sim. Foi muito sofrimento para mim e para minha família.
A corrupção na política nunca vai acabar? A promiscuidade ocorre nos três poderes, em entidades estatais e no setor privado. O caminho é fortalecer a democracia. Temos poucos anos verdadeiramente democráticos em nossa história republicana.
O governador Wilson Witzel usa os mesmos esquemas e parceiros de quando o MDB estava à frente do Palácio Guanabara? Não tenho como opinar.
Sobrou algum amigo? Meus filhos são meus melhores amigos. Por causa da pandemia, há cinco meses não tenho visita. Não guardo mágoas.
E Pezão, ficou rico? Ele teve a disciplina de morar nos mesmos imóveis modestos. Sua má gestão e incompetência prejudicaram o Rio.
Segundo sua delação, o senhor comprou PSD e Solidariedade para apoiarem Pezão. Como foi a negociação? Não posso me pronunciar sobre esse assunto.
Como está pagando as suas contas? Meus recursos estão bloqueados e estou preso há três anos e nove meses. A família tem lutado muito.
Sua amizade com Lula era sincera? Lula e eu nos gostávamos. O que nos afastou foi, nas eleições de 2014, ele apostar no Lindbergh (Farias) e achar que não tinha chances de eleger Pezão.
Ele mereceu ser preso? Não sou juiz.
Como avalia a rejeição da Procuradoria-Geral da República a um acordo de delação premiada com o senhor? Só posso dizer que continuo à disposição para colaborar com as autoridades.
Qual foi o pior momento no presídio? Quando soube da prisão da minha mulher, Adriana, mãe dos meus filhos mais novos.
Se fosse solto amanhã, o que faria para viver? Vou trabalhar com dignidade e recomeçar minha vida. Não disputo mais eleição.
Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701