Moro aponta qual seria a verdadeira razão para ter deixado o Podemos
Hoje no União Brasil, ex-juiz diz que tomou a decisão por causa de uma investigação na cúpula do partido
Em novembro do ano passado, Sergio Moro se filiou ao Podemos numa concorrida cerimônia em Brasília. Na época, o ex-juiz da Lava-Jato era apontado como um nome capaz de romper a polarização entre Jair Bolsonaro e Lula na disputa presidencial. As primeiras pesquisas mostravam que a tese, de fato, encontrava alguma sustentação na realidade. O simples anúncio da pré-candidatura do ex-ministro da Justiça mexeu no tabuleiro da sucessão. De imediato, ele assumiu a terceira colocação, deixando para trás políticos tradicionais como Ciro Gomes e Simone Tebet. Em março, sem maiores explicações, o ex-juiz anunciou que estava deixando o Podemos e se filiando ao União Brasil — mudança que colocava um ponto-final em sua pretensão de disputar a Presidência da República. A decisão nunca foi bem explicada. Oficialmente, Moro abandonou a legenda por divergências sobre a condução de sua campanha. O verdadeiro motivo do rompimento, porém, foi outro: suspeitas de corrupção envolvendo os dirigentes da sigla.
Em certa medida, o caso faz lembrar o Moro da Lava-Jato. Cinco dias antes de deixar o Podemos, o ex-juiz recebeu o resultado de uma auditoria encomendada pelo partido. O documento, de 173 páginas, trazia o resumo de uma investigação preliminar realizada por um escritório de compliance contratado a pedido do próprio Sergio Moro. Os técnicos fizeram um levantamento dos bens, dos negócios e das ligações pessoais e societárias de dezoito dirigentes e funcionários do partido, entre eles a presidente da sigla, deputada Renata Abreu (SP), o presidente do diretório de São Paulo e atual secretário de Esportes do governo estadual, Thiago Milhim, e familiares de ambos. A apuração foi solicitada em fevereiro, após o ex-juiz ter recebido informações sobre a existência de um esquema de captação ilegal de dinheiro e enriquecimento ilícito que envolveria a cúpula do Podemos. Segundo aliados do ex-juiz, ficou combinado que a formalização da candidatura se daria apenas depois que as suspeitas fossem esclarecidas. A investigação, feita de maneira sigilosa, foi batizada de “Projeto Cerrado”. VEJA teve acesso à íntegra do documento.
Os auditores não fazem acusação direta a ninguém, mas listam operações estranhas e certas coincidências, como a de uma funcionária do partido que montou uma empresa de transportes e, logo na sequência, assinou um contrato milionário com uma prefeitura do interior de São Paulo, base eleitoral da deputada Renata Abreu. Em um tópico dedicado ao secretário de Esportes, por exemplo, relatam que ele é dono de uma mansão na cidade de Nova Granada, mesmo município onde a funcionária do Podemos ganhou a licitação, e também é proprietário de uma empresa de reciclagem de lixo que já teve Renata Abreu como sócia. O relatório não faz nenhuma conexão entre os casos. Quem faz são testemunhas “anônimas” que teriam se apresentado para contar o que sabiam “no canal do partido”.
Foram testemunhos como esses que deram origem à investigação solicitada por Sergio Moro. Segundo eles, dirigentes do partido enriqueceram a partir de irregularidades que envolvem a criação de empresas que prestam serviços na área de saúde, reciclagem de lixo e transportes, como o caso do contrato de Nova Granada. Também operariam a indicação de ocupantes para cargos públicos em troca da devolução de parte dos salários, uma espécie de rachadinha partidária. Por fim, existiria ainda um esquema para beneficiar certas prefeituras com a destinação de emendas parlamentares em troca de porcentuais. As conclusões da auditoria foram apresentadas numa reunião em que estava presente, além de Moro, a presidente do partido. Na ocasião, os técnicos explicaram que o levantamento preliminar colheu apenas indícios. Era necessário aprofundar a apuração, ouvindo testemunhas, analisando contratos e acessando a contabilidade da legenda. Sem a garantia de que as suspeitas seriam devidamente investigadas, Moro teria decidido então deixar o Podemos.
Procurado por VEJA, o ex-juiz confirmou que essa foi a principal razão de sua saída do partido. Confrontado com o resultado da investigação, ele disse ter tomado conhecimento de “situações suspeitas envolvendo casos de corrupção” e declarou que o “assunto era de conhecimento da alta direção do Podemos e de lideranças como o senador Alvaro Dias, que decidiram não tomar qualquer medida após o resultado preliminar”. O Podemos não comentou o motivo pelo qual Renata Abreu e Thiago Milhim foram alvo da auditoria, tampouco a razão de não terem dado andamento ao caso. Em nota, a sigla se limitou a informar ser a primeira do país a ter um sistema de compliance. Fora da disputa nacional, o ex-juiz se transferiu para o União Brasil e vai concorrer à vaga de senador pelo Paraná. Detalhe: seu principal adversário é exatamente Alvaro Dias, do Podemos, que o convidou para tentar o sonho presidencial e hoje lidera as pesquisas de intenção de votos contra Moro. “Eu não participo da burocracia partidária, confio na presidente e nos seus esclarecimentos”, declarou Alvaro Dias. Nunca na história da política brasileira criador e criatura brigaram tão rápido.
Publicado em VEJA de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804