Em Brasília, travava-se há alguns meses uma intensa disputa de bastidores pela próxima vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal (STF). A indicação cabe ao presidente da República, mas a confirmação depende de aprovação do Senado. Pouco mais de duas semanas atrás, Jair Bolsonaro chamou o procurador-geral, Augusto Aras, ao Palácio da Alvorada e informou que indicaria o atual advogado-geral da União, André Mendonça, para o lugar do ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentará em julho. Embora não tenha sido surpreendido com a decisão, o procurador, que até aquele instante ainda se colocava como pretendente ao posto, também não ficou totalmente desapontado. Na conversa, Bolsonaro explicou que cumpriria o compromisso que assumiu de indicar um evangélico, garantiu a recondução do procurador no cargo por mais dois anos, mas deixou aberta uma pequena janela: caso André Mendonça, por alguma razão, não conquiste o apoio necessário dos senadores, o indicado seria ele, Aras. A simples menção a essa possibilidade reacendeu a disputa que já era dada como encerrada.
A ressalva do presidente pode ter sido apenas uma demonstração de apreço ao procurador, mas foi suficiente para reagrupar os parlamentares que haviam se articulado em apoio à candidatura de Aras e já tinham jogado a toalha. Na linha de frente dessa turma está o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde ocorrerá a sabatina do candidato de Bolsonaro. Desde que recebeu a notícia de sua indicação, André Mendonça iniciou o tradicional périplo que todo aspirante a ministro do STF costuma fazer pelos gabinetes do Congresso em busca de conquistar simpatias e superar eventuais resistências. Alcolumbre, num gesto inusitado, não só se recusou a receber a visita do advogado-geral da União como ainda enviou um recado ao Planalto de que uma parcela nada desprezível do Parlamento estaria incomodada com a falta de “traquejo político” de André Mendonça, o que poderia resultar até na reprovação do nome dele, impondo uma vexatória derrota ao governo.
De fato, há algumas preocupações pontuais de determinados parlamentares em relação à indicação de Mendonça. A resistência, porém, tem menos a ver com as críticas que se faz ao perfil do advogado da União e mais com uma clara preferência por Augusto Aras. VEJA conversou com vários senadores de diferentes matizes ideológicos. Reservadamente, contam que a inclinação por Aras se deve basicamente à postura dele em relação aos políticos — considerada muito menos hostil do que a de seus antecessores. André Mendonça, por outro lado, já se declarou no passado ser um admirador do ex-juiz Sergio Moro e da Operação Lava-Jato. Orientado pelo presidente Bolsonaro, ele tem se empenhado para reverter essa associação. Nos últimos dias, Mendonça se reuniu com mais de quarenta congressistas. Nesses encontros, defende o combate à corrupção, mas diz que réus não podem ser condenados apenas por desejo da opinião pública, se declara um crítico do ativismo judicial e ressalta que investigações não podem descambar para o vale-tudo. “Temos de ser garantistas”, repete sempre aos interlocutores.
Como um em cada três senadores tem a Justiça nos calcanhares, o discurso sensibiliza. No último dia 9, Mendonça se reuniu com a bancada do PL do Senado, em almoço que contou com a presença do presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, um dos pivôs do escândalo do mensalão, e repetiu a pregação. Para os congressistas de perfil mais conservador, o advogado-geral ainda inclui no discurso que é contrário ao aborto e à descriminalização das drogas, dois temas polêmicos que aguardam uma definição da Suprema Corte. A disputa entre ele e Augusto Aras também fez ressurgir preferências que existem dentro do próprio STF. Entre os apoiadores de Mendonça na Corte estão os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, dois dos principais defensores da Lava-Jato no tribunal. O procurador, por sua vez, conta com o discreto apoio de Gilmar Mendes. Recentemente, Aras ganhou outro crítico de peso: o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito que apura a participação de deputados e apoiadores do presidente Bolsonaro em atos antidemocráticos. Na história da República, apenas cinco indicações do presidente para o Supremo não foram referendadas pelo Senado — casos que ocorreram há mais de um século. Mas, com a falta de coordenação política deste governo, tudo é possível.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744