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Soraya Thronicke: “Bolsonaro é o verdadeiro traidor”

Quatro anos após ser eleita senadora na onda do capitão, a presidenciável aproveita o palanque para fazer oposição e passa a ser alvo de ameaças

Por Diogo Magri Atualizado em 4 jun 2024, 12h04 - Publicado em 23 set 2022, 06h00
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  • No mesmo dia em que Jair Bolsonaro chegou ao Reino Unido para marcar presença na cerimônia do funeral da rainha Elizabeth II no domingo 18, a senadora Soraya Thronicke, candidata à Presidência pelo União Brasil, protocolava uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para impedir o uso eleitoral da visita — o que, como se viu, estava de fato nos planos do capitão. A parlamentar faria a mesma coisa depois em relação ao discurso de Bolsonaro na ONU, em Nova York, na terça 20. Iniciativa semelhante ela também já havia tomado com a participação do presidente nos atos de 7 de setembro. Em todas, conseguiu o seu objetivo — a Justiça Eleitoral proibiu o presidente de explorar os episódios na eleição.

    É por essas e outras atitudes, como a postura combativa que adotou contra Bolsonaro nos debates, que Soraya passou de “senadora bolsonarista” para um dos alvos preferidos dos apoiadores do presidente. “Você, que também nunca tinha ouvido falar da candidata Soraya, assim ela foi eleita: ‘a senadora de Bolsonaro’. A história já mostrou como o eleitor trata os traidores”, postou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). De fato, foi assim. A advogada estreou na política como candidata ao Senado por Mato Grosso do Sul em 2018, representando o PSL, sigla de Bolsonaro, e contando com o apoio do presidenciável. Soraya aparecia longe do favoritismo, mas foi eleita com 375 000 votos na esteira da onda bolsonarista.

    RITMO BOM - Soraya em campanha: quase 30 milhões de reais gastos até agora -
    RITMO BOM - Soraya em campanha: quase 30 milhões de reais gastos até agora – (@sorayathronicke/Facebook)

    Não durou muito a aliança. Durante o mandato, Soraya entrou em rota de colisão com Bolsonaro, o que acabou levando a senadora para a oposição e rendendo a ela o rótulo de “traidora”. Ela começou a se distanciar quando pautas radicais como os ataques ao STF viraram frequentes e, na CPI da Pandemia, engrossou o bloco que bateu firme no governo. A hoje presidenciável justifica a mudança de posição dizendo que o presidente abandonou as propostas que o elegeram, como a de liberalizar a economia e combater a corrupção. “Eu continuo fiel às mesmas bandeiras, ao mesmo partido e aos mesmos apoiadores. Então, o traidor é ele”, critica, com a mesma dureza com que disse que o presidente era “tchutchuca” com outros homens, mas ia para cima de mulheres como um “tigrão”, no primeiro debate presidencial na Band, ao defender uma jornalista destratada por Bolsonaro.

    O confronto entre a senadora e o presidente chegou ao patamar dos ataques a ela e a familiares em Mato Grosso do Sul. O estado natal de Soraya ainda é um dos fortes redutos de Bolsonaro. Nascida em Dourados e criada em Campo Grande, Soraya tem 49 anos, é casada e dona de uma rede de motéis com seu marido, com quem tem um filho. Ela se formou em direito na Faculdade Integrada de Campo Grande, onde foi aluna de Simone Tebet (MDB), outra senadora sul-mato-grossense candidata à Presidência. Fez pós-graduação em direito empresarial e tributário antes de virar uma personagem pública na época dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff. Ganhou destaque ao conseguir um habeas corpus para manifestantes que haviam sido detidos em protesto contra a petista em Campo Grande, em 2015. Filiou-se ao Novo em 2017 e trocou pelo PSL um ano depois, quando triunfou em sua campanha ao Senado logo na estreia política. Na Casa, esteve a favor de projetos como a venda da Eletrobras, votou contra o aumento do Fundo Eleitoral e defendeu o agronegócio como presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária.

    arte Soraya

    Em tese, não deveria faltar munição a Soraya na disputa presidencial, pois ela é candidata pelo partido que tem o maior naco do Fundo Eleitoral e a maior fatia do tempo de rádio e TV. Soraya já gastou 27 milhões de reais, sendo 17 milhões de reais em marketing, sob a batuta do marqueteiro Lula Guimarães, um dos profissionais mais tarimbados e respeitados do meio. Declarou gastos de 1,75 milhão de reais com aluguel de jatinhos e tem viajado pelo país em busca de votos — o que até agora lhe rende apenas 1% da fatia de eleitores. Nos últimos dias, no entanto, tem surgido reclamações a respeito de atraso nos repasses de verbas de campanha pelo partido. No largo tempo que tem na TV, atira tanto em Bolsonaro quanto em Lula, a quem chama de “mentiroso de sempre”. “Uma das maiores mentiras desta eleição é dizer que Lula foi inocentado”, afirma. Em relação às propostas, repisa incessantemente o projeto de imposto único de seu vice, o economista Marcos Cintra, e continua levantando a bandeira de combate à corrupção. Também empilha promessas originais, como liberar armas não letais às mulheres, isentar professores de pagar imposto de renda e promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia. “Todos os indígenas são brasileiros e têm o direito de trabalhar e prosperar”, diz.

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    Uma das esperanças da candidatura é pegar carona na visibilidade garantida pelos próximos dois debates presidenciais do primeiro turno: o de VEJA, em parceria com o SBT e um pool de empresas, no dia 24, e o da TV Globo, no dia 29. A senadora passou a pontuar depois de ir bem no debate da Band, quando viralizou nas redes sociais ao se comparar a Juma Marruá, personagem que vira onça na novela Pantanal (que se passa no MS). Na quarta-feira 21, ela criticou Lula por sinalizar que não irá ao próximo debate. “Covardia, hein, Luiz? Bora, lá, debater o Brasil. Debate é direito do eleitor e dever do candidato. Estou lotada de perguntas para você e para o PT”, postou no Twitter.

    NÃO EMPLACOU - Moro: o ex-juiz foi preterido por Soraya na corrida ao Planalto -
    NÃO EMPLACOU - Moro: o ex-juiz foi preterido por Soraya na corrida ao Planalto – (@sf_moro/Instagram)

    Apesar das dificuldades para conquistar espaço, a candidatura de Soraya já é avaliada como bem-sucedida internamente por pontuar mesmo sendo desconhecida nacionalmente com uma candidatura gestada de última hora pelo União Brasil. Inicialmente, o partido fez gestos de que faria parte de um bloco de terceira via, ao lado do MDB e do PSDB. A tentativa naufragou e a chegada à sigla de Sergio Moro parecia arquitetada para lançá-lo como presidenciável. O plano foi interrompido no nascedouro por caciques da legenda, que minaram o projeto. Moro acabou se conformando em ser candidato a senador pelo partido, no Paraná. Com isso, a vaga de presidenciável caiu no colo de Soraya.

    Os desafios dela e do União Brasil são os mesmos: sair da eleição maior do que entraram. No caso da senadora, parece simples. Para o União Brasil, ficou mais difícil, pois está pagando ainda o preço do rompimento com Bolsonaro (parte da legenda é formada pelo antigo PSL, o partido do capitão na campanha de 2018). A sigla tem 51 deputados, menos do que o PSL elegera em 2018 (54). Agora, tenta se manter como um dos partidos com mais dinheiro e tempo de TV, mas para isso terá de repetir o sucesso de quatro anos atrás. “Nosso objetivo é formar uma das três maiores bancadas no Congresso”, diz o deputado Junior Boz­zel­la, o otimista presidente do União em São Paulo.

    Boa parte do cacife da sigla está em palanques fortes em estados como Bahia (ACM Neto), Goiás (Ronaldo Caiado) e Ceará (Capitão Wagner). O trio, no entanto, não está totalmente engajado na candidatura de Soraya. Caiado e ACM têm alianças com Ciro Gomes (PDT) e Wagner é associado ao bolsonarismo. “Eu tenho apoio do partido e espero o mínimo de fidelidade”, afirma ela. No fim das contas, sobrou para a novata a missão de liderar um partido gigante que luta para não voltar a ser nanico.

    ENTREVISTA: “Ofendem a minha honra”
    A presidenciável Soraya Thronicke (União Brasil) diz que tem recebido ameaças depois de adotar uma postura crítica contra Jair Bolsonaro.

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    Que tipo de ataques a senhora tem sofrido? Ameaça, injúria, calúnia, difamação, o Código Penal inteiro. Os bolsonaristas estão violentos ao extremo. São ataques agressivos nas redes sociais e pessoalmente. E me incomodam bastante em uma eleição em que já vimos assassinatos por discordância política.

    Então essas ameaças não são só virtuais? Meu marido, que estava com o carro adesivado, parou no semáforo, uma caminhonete com propaganda do Bolsonaro tirou uma “fina” do carro dele e o motorista ergueu a mão. Já solicitei a proteção da Polícia Legislativa, mas os familiares não têm estrutura para lidar com isso. E muita gente anda armada no estado.

    Você acha que sofre mais ameaças por ser mulher? O fato de eu ser mulher facilita as ameaças de quem não tem escrúpulos. Ofendem a minha honra de um jeito que não fariam se eu fosse homem. Tenho muitos apoiadores homens, mas quatro anos no Senado me trouxeram a consciência de que há um machismo velado no país.

    Os ataques fazem a senhora achar o bolsonarismo pior que o petismo, de quem sempre foi rival? São dois lados péssimos, que combinam má gestão e corrupção sistêmica. E não acho que a disputa esteja cristalizada entre os dois. Se não acreditar, não levanto da cama.

    Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808

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