STF deve conter Gilmar Mendes, pede associação de procuradores
Em carta, entidade diz que a inação da Corte diante das ações do ministro será caracterizada como omissão
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) enviou nesta quinta-feira uma carta a todos os ministros que integram o Supremo Tribunal Federal (STF) para reforçar o pedido de suspeição do ministro Gilmar Mendes nos casos que envolvem a Operação Ponto Final, um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro. A entidade, que representa mais de 1.300 procuradores da república, diz que a Corte será omissa se não agir para conter o comportamento e as ações de Mendes.
Os procuradores afirmam que “não é de hoje que causa perplexidade ao país a desenvoltura com que o ministro Gilmar Mendes se envolve no debate público, dos mais diversos temas, fora dos autos, fugindo, assim, do papel e do cuidado que se espera de um juiz”. Eles alegam que magistrados de instâncias inferiores já responderam a processos em suas corregedorias por conta de declarações menos assertivas. “Não existem corregedores para os membros do Supremo. Há apenas a Corte”, diz a entidade.
A ANPR afirma que só o Supremo pode “corrigir o Supremo”. “Apenas a Corte pode – e deve, permitam-nos dizer – conter ação e comportamento de ministro seu que põe em risco a imparcialidade”. Segundo a associação, a credibilidade de todo o Poder Judiciário correrá risco caso a Justiça não restaure sua inteira imparcialidade. Os procuradores dizem que os ministros serão omissos se não tomarem alguma atitude.
“O exemplo e o silêncio dos demais ministros e da Corte não são mais suficientes. Com a devida vênia, a responsabilidade para com o Poder Judiciário impõe enfrentar o problema”, declarou a entidade. “A ação do Supremo no caso é essencial para que a imagem e a credibilidade de todo o sistema judiciário brasileiro não saiam indelevelmente abalados. A eventual inação, infelizmente, funcionará como omissão.”
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou ao STF um pedido de suspeição contra Mendes nos casos envolvendo dois habeas corpus de investigados na Ponto Final, além de ter solicitado a anulação das decisões já proferidas pelo ministro no âmbito da operação. Ele mandou libertar da prisão o empresário de transportes Jacob Barata Filho e o ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) Lélis Teixeira.
Rodrigo Janot citou que, em 2013, Gilmar e sua mulher, Guiomar Mendes, foram padrinhos no casamento de Beatriz Barata, filha de Barata Filho, com Francisco Feitosa Filho, sobrinho de Guiomar; que Jacob Barata Filho é sócio de Francisco Feitosa de Albuquerque Lima, cunhado do ministro do STF; que o telefone da mulher de Gilmar consta na agenda do celular do empresário e, além destes, que o escritório do advogado Sérgio Bermudes, no qual Guiomar Mendes trabalha, representa empresas de Barata Filho e Lélis Teixeira.
Para a ANPR, “um conjunto sólido e público de circunstâncias indica insofismavelmente a suspeição do ministro para o caso”. A associação repudiou que, em um dos habeas corpus expedidos, Mendes se dirigiu de forma desrespeitosa ao juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelas decisões em primeira instância da Lava Jato no Rio. Ao falar de Bretas, o ministro disse que, “em geral, é o cachorro que abana o rabo”. Além disso, Mendes se referiu aos procuradores da república da Lava Jato no Rio como “trêfegos e barulhentos”.
“Estas declarações trazem desde logo um grave desgaste ao STF e à Justiça brasileira. Nestas críticas, parece ter esquecido o Ministro o dever de imparcialidade”, diz a ANPR. “Adjetivos descabidos lançados às instituições é comportamento comum em excessos cometidos por agentes políticos que confundem o público e o privado. Não são esperados, contudo, de um juiz.”
Gilmar Mendes se defende
Em nota divulgada na última sexta-feira, Gilmar declarou que não há “suspeição alguma” para julgar o caso. O ministro disse que não tem relação pessoal com Barata Filho e que o fato de ser padrinho de casamento da filha dele não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes.