Disputando pela primeira vez uma eleição, um candidato ao Senado foi procurado recentemente por um empresário rico e famoso do seu estado. Faltavam poucos dias para o fim do prazo de registro oficial das candidaturas junto à Justiça Eleitoral. Sem meias-palavras, o sujeito foi direto ao assunto: ofereceu 10 milhões de reais pela vaga de suplente, o reserva que assume o cargo no Congresso na ausência do titular. O dinheiro poderia ser usado para cobrir os gastos da campanha ou para qualquer outra coisa, a critério do político. Além da discrição, não havia qualquer outra exigência ou condição para o acordo. O candidato recusou a proposta e contou em sigilo essa história a VEJA.
Embora estapafúrdio, o episódio não chega a ser surpreendente. Desde a redemocratização, a suplência de senador se transformou num atalho para chegar ao poder sem a necessidade de enfrentar diretamente as urnas — e não será diferente nas eleições deste ano. Hoje, dezoito suplentes (mais de 20% de toda a bancada) estão exercendo o mandato, uma das mais nobres posições na política nacional. Um dos casos emblemáticos é o do atual senador Luiz Osvaldo Pastore (MDB). Empresário do ramo de mineração e dono de um patrimônio declarado de 450 milhões de reais, há quase duas décadas ele tem a política como uma segunda atividade. Sem nunca ter disputado um voto, pode, em breve, se converter no parlamentar reserva mais longevo da história. Pastore está em seu segundo mandato e já se prepara para disputar o terceiro. Ele tem 73 anos, nasceu em São Paulo, onde mora até hoje, mas, no Congresso, representa o Espírito Santo. Em junho, assumiu o lugar da senadora Rose de Freitas (MDB-ES), a titular, que se licenciou para se dedicar à campanha no estado. No exercício do cargo, o senador Pastore é membro de duas das mais poderosas comissões do Congresso, a de Economia e a de Justiça, onde tramitam propostas de emendas constitucionais e os principais e mais importantes projetos de lei do Parlamento. O empresário também está cuidando de garantir a própria reeleição.
No início deste ano, Pastore transferiu o seu domicílio eleitoral do Espírito Santo para Brasília. Vai “disputar” o pleito de outubro como suplente da ex-ministra Flávia Arruda (PL-DF), que lidera as pesquisas de intenção de voto e é franca favorita a conquistar a vaga no Senado no Distrito Federal. Ou seja, se tudo sair como planejado, o empresário tem grande chance de manter o status de senador reserva por mais oito anos. E como se deu essa articulação política? “Eu fui na Flávia e disse: sou um suplente, já fui suplente, tenho experiência na suplência. Me chamam até de suplente profissional”, explica ele. E a mudança do domicílio eleitoral? “Meu pai veio pra cá em 1957. Foi o responsável pela instalação dos lambris, bancadas e tribunas do Senado, da Câmara, Planalto e alguns ministérios. Eu vinha com ele para cá e até recebi o apelido de candanguinho”, explicou. Flávia não quis nem tentar explicar como escolheu o seu substituto. “Pergunta pra ele”, se limitou a responder. Detalhe: o empresário é o principal doador da campanha da ex-ministra. Contribuiu com 380 000 reais.
Em Goiás, Marcos Ermírio de Moraes é suplente do candidato Marconi Perillo (PSDB). Neto de José Ermírio de Moraes, fundador do Grupo Votorantim, ele é o aspirante a reserva mais rico do país, dono de um patrimônio declarado de 1,2 bilhão de reais. Como seu colega brasiliense, diz ter a política no sangue. “Eu conheço muito bem os problemas de Goiás. Organizei por quase vinte anos a largada do Rally dos Sertões no estado. Isso fez com que eu compreendesse os problemas das comunidades que atravessamos ao longo da prova”, disse. Em outubro, um terço do Senado será renovado. Os novos 27 senadores serão eleitos para um mandato de oito anos, tendo, cada um, dois suplentes, que assumem o cargo em caso de afastamento, renúncia, cassação ou morte do titular.
O problema é que a regra criada pela Constituição não estabelece critérios para a indicação do suplente, deixando a decisão ao sabor da conveniência dos candidatos e partidos. Por isso, não são raros os candidatos que colocam como seus reservas parentes e, claro, financiadores de campanha. Trata-se de um modelo que favorece a troca de interesses ou o clã familiar. Em muitos países, o substituto de um senador é apontado com base em listas de votação ou promove-se uma nova eleição em caso de vacância. Não será mais senador? O povo escolhe outro para entrar no seu lugar. No Brasil, várias e diferentes propostas de mudança desse sistema já foram apresentadas no Congresso, mas nenhuma avançou.
Há casos em que a escolha errada pode acabar em dor de cabeça para o próprio titular. As senadoras Simone Tebet (MDB-MS) e Soraya Thronicke (União-MS), ambas candidatas à Presidência da República, poderiam ter se licenciado para cuidar exclusivamente de suas campanhas. Não o fizeram, e os seus suplentes têm muito a ver com essa decisão. Soraya se desentendeu com seu reserva, Rodolfo Nogueira (PL-MS), ainda durante a campanha, diz que foi ameaçada por ele, tentou na Justiça afastá-lo da chapa, mas não conseguiu. Já o suplente de Tebet, Celso Dal Lago (MDB-MS), foi condenado à prisão por corrupção depois da eleição. Nenhum deles, portanto, seria um substituto recomendável. “O suplente é um agente político obscuro que pouco ou nada se sabe sobre ele”, diz Eduardo Grin, cientista político da FGV. “O eleitor, na maioria das vezes, nem sabe quem ele é. E, pior, também não tem a mínima ideia do que ele faz.” Em geral, muito pouco. O grande objetivo (e vaidade) é receber o título de senador sem precisar de um voto sequer.
Publicado em VEJA de 7 de setembro de 2022, edição nº 2805