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Tabuleiro baiano: a briga acirrada e simbólica de ACM Neto e Jaques Wagner

Herdeiro político do avô, o ex-prefeito de Salvador entra na disputa pelo governo dezesseis anos após a derrota do carlismo e a ascensão do PT

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h06 - Publicado em 21 ago 2021, 08h00

Dominada pelo ex-governador Antonio Carlos Magalhães por décadas, a política baiana tem permitido longos períodos de poder aos grupos vencedores das eleições. Abrigado no PFL, o carlismo emendou quatro vitórias consecutivas nas disputas a governador, entre 1990 e 2002. Meses antes da morte de ACM, aos 79 anos, em 2007, o grupo foi enfim desalojado por Jaques Wagner (PT), reeleito em 2010 e sucedido pelo atual governador, Rui Costa (PT), que está no segundo mandato. Até o fim de 2022, portanto, terão sido dezesseis anos de poder dos carlistas e dezesseis dos petistas. E o tira-teima na eleição do ano que vem entre os grupos hegemônicos no quarto maior colégio eleitoral do país será uma disputa acirrada e simbólica: de um lado, o petista Wagner, que encerrou o ciclo carlista; do outro, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (DEM), que tentará bater o algoz do avô, de quem é o herdeiro político.

LONGEVIDADE - Wagner e Costa: os petistas comandam a Bahia desde 2007 -
LONGEVIDADE - Wagner e Costa: os petistas comandam a Bahia desde 2007 – (Carlos Casaes/.)

O desafio de “vingar” ACM será o maior da carreira de Neto — e uma oportunidade para marcar diferenças com o avô. Deputado federal baiano mais votado em 2002 (aos 23 anos), 2006 e 2010, ele largou na política embalado pela influência de quatro décadas de ACM, cuja mão de ferro lhe rendeu o epíteto de “coronel”. Apoiador do golpe militar e expoente da Arena, partido que sustentava o regime, ACM fez carreira em cargos sob a indicação da ditadura, como prefeito de Salvador e duas vezes governador, posto para o qual foi eleito em 1990, numa bem-sucedida transição do cacique à democracia. Eleito presidente do Senado em 1997, auge de seu poder, ajudou a eleger três governadores baianos pelo PFL.

arte Pesquisa Bahia

Rebatizado como DEM, o partido passou, sob ACM Neto, por movimentos que indicam profundas diferenças de estilo em relação ao avô, incluindo uma roupagem mais moderada e social-democrata. “ACM sempre foi situação e fazia política de modo governista. Neto teve de fazer grande parte de sua política na oposição, em uma renovação que percebeu a importância do partido”, aponta a cientista política Carla Galvão Pereira, da UFBA. Se não bastasse, ACM Neto terá ainda nas costas a responsabilidade de liderar o principal projeto do DEM no país e levar a sigla ao poder no estado onde possui o maior número de deputados federais — cinco (igual a São Paulo). “A Bahia tem um peso muito grande, e Neto é o presidente do partido. É claro que essa candidatura é tratada com prioridade”, diz o presidente estadual da legenda, Paulo Azi.

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Embora o embate principal em 2022 seja a luta entre o carlismo e o petismo, nem só disso viverá a disputa pelo Palácio de Ondina. O tabuleiro baiano poderá ganhar uma força estranha à polarização local: o bolsonarismo, com a possível candidatura do ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos). Caso ela se confirme, será uma luta duríssima. Com 84,3% de aprovação ao final de sua gestão em Salvador, segundo o Paraná Pesquisas, ACM Neto elegeu o seu vice, Bruno Reis (DEM), em 2020, e desponta como líder nas pesquisas ao governo. De fato, sua administração da cidade foi competente, com entrega de obras e uma bem-sucedida reorganização urbana. Do outro lado, o PT tem em Rui Costa um gestor igualmente bem avaliado — 66% aprovam seu governo. Já Roma comanda a pasta responsável pelo Auxílio Brasil, o programa criado para substituir o “petista” Bolsa Família e que é apontado como um dos fatores que poderão alavancar os bolsonaristas na eleição.

CACIQUE - ACM: influência sobre a política baiana por quatro décadas, da ditadura à democracia, da Arena ao DEM -
CACIQUE - ACM: influência sobre a política baiana por quatro décadas, da ditadura à democracia, da Arena ao DEM – (Aristeu Chagas/.)

Outra força que terá influência nesse ringue político para 2022 é o impacto dos apoios de fora. Wagner, por exemplo, terá a seu favor o fator Lula. O ex-presidente chegou a receber 66% dos votos no estado no primeiro turno da eleição de 2006 — o patamar dos 60% foi mantido quando Dilma Rousseff e Fernando Haddad foram candidatos. Com o nome associado ao do líder petista em pesquisa (veja o quadro), Wagner sobe 10 pontos, assim como João Roma quando é associado a Bolsonaro — apesar de o presidente ser rejeitado por 62% dos baianos. Já ACM Neto perde votos quando tem sua candidatura ligada a Ciro Gomes (PDT), hoje longe de uma aliança com o DEM. Entre os aliados de Neto, a avaliação é a de que o seu principal obstáculo é exatamente essa equação envolvendo o cenário nacional.

AZARÃO - Roma: o ministro pode dar palanque a Bolsonaro onde ele é rejeitado -
AZARÃO - Roma: o ministro pode dar palanque a Bolsonaro onde ele é rejeitado – (Alan Santos/PR)

O importante seria conseguir um arranjo que não lhe traga desgastes. Hoje, o DEM trabalha a pré-candidatura do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e não descarta o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG). Caso não se concretize a candidatura própria, ACM Neto vê com bons olhos o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que disputará prévias no PSDB contra o governador paulista João Doria, com quem o baiano está estremecido. Outra possibilidade é seguir sem aliança formal com um presidenciável — a experiência de ter sido prefeito de uma capital com adversários no governo do estado ajudaria a ilustrar a tese de que não é necessário um alinhamento com Brasília. Para conter o peso do petista no estado e buscar o voto do eleitor de Bolsonaro, Neto pretende “desnacionalizar” o discurso e não entrar em “rinha ideológica”. “Nosso foco é fazer um enfrentamento principalmente local, confrontando dois projetos: um que representa o passado e o outro que pretende refletir o futuro, que é o meu”, afirma. “Serei candidato a governador, e não a presidente. Vamos aguardar para acompanhar os desdobramentos da política nacional e a definição do DEM”, diz.

Na disputa atual no estado em que os ecos do carlismo serão nítidos, ainda que modernizados na figura de ACM Neto, a derrocada da linhagem nas últimas décadas gerou uma peculiaridade que terá influência na disputa. Com a perda do poder, houve uma dispersão de aliados. E alguns foram parar justamente no colo do PT, como o vice de Rui Costa, João Leão (PP), e o senador Otto Alencar (PSD). Leão e o PSD ameaçam agora romper a frente com o petismo, tentando viabilizar candidaturas próprias ao governo, enquanto Wagner aposta na união: “Seguramente vamos chegar juntos à eleição”. Na outra extremidade também pode haver uma divisão. Embora Roma possa entrar na disputa turbinado pelo novo Bolsa Família, ele é visto ainda como um azarão. Mas sua presença no páreo pode roubar votos preciosos da faixa do eleitorado de ACM Neto, apimentando ainda mais a disputa do tabuleiro político baiano.

Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2021, edição nº 2752

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