Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Tarcísio lança ambiciosa iniciativa contra a maior cracolândia do país

A chaga a céu aberto em São Paulo já derrotou vários governantes

Por Victoria Bechara Atualizado em 4 jun 2024, 10h55 - Publicado em 29 jan 2023, 08h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • A expressão “crack” surgiu pela primeira vez em novembro de 1985, em uma reportagem do jornal The New York Times que narrava como o derivado barato da cocaína havia tomado áreas expressivas da cidade e criado rapidamente uma legião de viciados. Seis anos depois, a polícia faria a primeira apreensão do produto no Brasil, no entorno da Estação da Luz, área central de São Paulo. Dali para a frente, ancorada no potencial destruidor da droga, na deterioração social dos grandes centros urbanos, na livre ação de traficantes e na inépcia do poder público, a cena dantesca de gente vagando por ruas degradadas só cresceu, a ponto de a região ganhar o triste codinome de “cracolândia”. Desde então, se sucederam iniciativas estaduais e municipais, que foram da opção pela força policial — a primeira intervenção, em 1995, ordenada pelo governador Mario Covas, se chamou Tolerância Zero — à abordagem mais humanista (como o programa De Braços Abertos, do prefeito Fernando Haddad), passando por grandes projetos de revitalização urbanística, como o Nova Luz, do prefeito José Serra.

    Quase sempre, essas ações foram acompanhadas de sentenças definitivas — e furadas — sobre o problema. “A cracolândia não existe mais”, disse o prefeito Gilberto Kassab em 2008. “Pode escrever, a cracolândia vai desaparecer”, prometeu o governador Geraldo Alckmin em 2017, mesmo ano em que o prefeito João Doria bancou: “A cracolândia acabou”. Não só não acabou, como se consolidou. Pesquisa divulgada pela Unifesp em janeiro ilustra o tamanho do fracasso do poder público para resolver a questão: quatro em cada dez usuários frequentam a região há pelo menos dez anos — um porcentual parecido com os de Brasília e Fortaleza (veja o quadro abaixo), também incluídas no estudo.

    OUTRO CAMINHO - Exemplos da Europa: dependentes fazem uso assistido de drogas na Grécia, Escócia e Alemanha (de cima para baixo) -
    OUTRO CAMINHO - Exemplos da Europa: dependentes fazem uso assistido de drogas na Grécia, Escócia e Alemanha (de cima para baixo) – (Aris Messinis/AFP; Andy Buchanan/AFP; Uli Deck/dpa/Getty Images)

    O problema que assombra a cidade há três décadas vai ser alvo agora de uma nova investida. Logo nos primeiros vinte dias de gestão, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) reu­niu o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e representantes do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, entidades religiosas e organizações sociais para articular uma ambiciosa intervenção, que pretende reunir políticas de saúde, urbanísticas, econômicas e de segurança para tentar equacionar o problema. O pacote prevê a abertura de 1 000 vagas de internação em comunidades terapêuticas, 264 leitos para desintoxicação em hospitais, contratação de 200 profissionais especializados para a abordagem de dependentes e o pagamento de uma ajuda financeira de 600 a 1 200 reais para a família que acolher o usuário de volta. O Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) será reformulado para funcionar como uma casa de passagem, com quarenta vagas, e uma base para a atuação de membros do MP, da Justiça e da sociedade civil. O plano prevê, ainda, 700 novas moradias na área e a revitalização de espaços públicos.

    Apesar de ser um militar da reserva e de ter sua base no bolsonarismo, Tarcísio não priorizou a repressão policial. Na segurança, haverá um sistema de monitoramento com 500 câmeras e a adoção da “justiça terapêutica”, prevista na Lei Nacional Antidrogas, que dá ao usuário a chance de optar pela internação em vez de responder por algum crime relacionado a drogas. A internação compulsória, um tabu nesse tipo de enfrentamento, só deverá ser adotada “em último caso” e com decisão judicial, segundo Tarcísio. “Vamos partir do pressuposto de que cada pessoa é uma. Temos de ter um cardápio de opções para não perder oportunidades”, afirma o governador.

    Continua após a publicidade

    arte Cracolândia

    Embora tenha optado por uma intervenção transversal para enfrentar um problema de fato complexo, o plano exclui uma iniciativa comum em países desenvolvidos que conseguiram algum avanço no combate ao crack. Alemanha, Noruega e Dinamarca, por exemplo, conseguiram reduzir cenas de uso de drogas com acompanhamento médico e salas para uso assistido — nelas, o usuário pode utilizar a substância em menor quantidade e com auxílio de um profissional de saúde, o que diminuiu mortes por overdose e outros danos ao evitar o compartilhamento de seringas e cachimbos. Para a pesquisadora Maria Angélica Comis, a nova iniciativa preocupa por focar a abstinência. “Parte das pessoas não adere às alternativas ofertadas. É necessária uma abordagem de baixa exigência, baseada na redução de danos, que está na lei municipal. Mas não houve nenhuma proposta nesse sentido”, avalia.

    O plano demonstra vontade para resolver a questão, mas os últimos anos já mostraram que isso não basta. Tarcísio fez uma aposta alta ao lançar o pacote na sede do governo e escalar o seu vice, Felicio Ramuth, para liderar o enfrentamento de um tema que sempre foi mais da alçada da prefeitura. Novato na política, arrumou um bom desafio logo na largada. Apesar do histórico desfavorável, a torcida, como sempre, é para que dê certo.

    Publicado em VEJA de 1º de fevereiro de 2023, edição nº 2826

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.