TCU faz ofensiva contra gastos de 32 procuradores na Lava-Jato
Corte de Contas quer saber se houve desperdício de dinheiro público no pagamento de passagens aéreas e diárias de investigadores durante a Lava-Jato
O Tribunal de Contas da União (TCU) prepara uma ofensiva contra 32 procuradores que atuaram nas investigações da Lava-Jato e planeja investigar os gastos que eles tiveram em passagens aéreas, deslocamentos de trabalho e pagamento de diárias desde 2014, quando a maior operação de combate à corrupção da história do país teve sua primeira fase. Entre os alvos estão os procuradores Deltan Dallagnol, Orlando Martello, Januário Paludo, Roberson Pozzobon e o ex-procurador e considerado mentor da extinta força-tarefa Carlos Fernando Lima.
A equipe do TCU trabalha para identificar eventuais indícios de desperdício de dinheiro público por parte de investigadores com o deslocamento desnecessário de procuradores, compra de passagens aéreas de última hora e pagamento frequente de diárias de trabalho transformadas em uma espécie de segundo ordenado mensal.
O compilado de dados, a que VEJA teve acesso, reúne 91 páginas com informações relacionadas a pagamentos de procuradores e as atividades que desempenharam cada vez que receberam dinheiro público. Não há evidências claras de irregularidades, mas fontes do TCU afirmaram que chama a atenção o fato de haver pagamentos corriqueiros de diárias na casa dos 1.000 reais quando a simples transferência do profissional para Curitiba, que concentrava as investigações da Lava-Jato à época, seria mais benéfica aos cofres do Erário.
No caso dos procuradores, o objetivo final é colher elementos que levem a Corte de Contas a poder declarar o bloqueio de bens dos investigadores por suposto mau uso do dinheiro público, como quando aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que teve um imóvel declarado indisponível quando o tribunal analisou indícios de superfaturamento na compra da refinaria de Pasadena, no Texas. A estratégia contra membros do MP, revelada a VEJA por uma fonte ligada ao procedimento, também inclui a possibilidade de incluir o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e congelar os bens dos procuradores mesmo que, em um futuro próximo, eles sejam liberados da sanção.
Em nota, a Lava-Jato afirmou que “todas as viagens e diárias da força-tarefa foram examinadas e aprovadas pela Procuradoria-Geral da República e baseadas na Portaria 41/2014, que regulamenta o tema na instituição, ao longo da gestão de três Procuradores-Gerais da República, assim como avaliadas pelos órgãos de auditoria interna. Jamais se apontou qualquer indicativo de ilegalidade”. “Respeitamos as competências constitucionais do Tribunal de Contas da União e reconhecemos a importância do trabalho desenvolvido pelo órgão. No entanto, investigações sempre devem iniciar a partir de indícios de irregularidades ou ilícitos, enquanto auditorias devem seguir critérios dotados de generalidade e objetividade. Isso decorre do princípio da impessoalidade, segundo o qual a Administração deve se orientar pelo interesse público, e não por preferências ou antipatias. No caso, entendemos não existir justificativa fática ou jurídica para a instauração da apuração”, dizem os procuradores.
Por trás do levantamento de dados, enviado à Corte de Contas pela equipe do procurador-geral da República Augusto Aras, está a ideia de municiar com novos elementos o iminente julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir se o ex-juiz Sergio Moro atuou com parcialidade ao julgar e condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela acusação de ter recebido um apartamento tríplex em Guarujá como forma de propina de empreiteiras investigadas no petrolão. Caberá ao ministro Gilmar Mendes decidir quando julgará o caso que pode anular a condenação do petista e impor a maior derrota à Lava-Jato desde que ela foi criada. A ideia de Mendes é pautar o tema ainda neste semestre.
O ex-juiz Moro, principal vitrine da operação, também está na mira do TCU, conforme antecipou a edição de VEJA desta semana. O tribunal quer informações sobre possíveis irregularidades na contratação do ex-magistrado pela consultoria Alvarez & Marsal, que tem na carteira de clientes o processo de recuperação judicial da Odebrecht. O objetivo é abrir caminho para uma série de sanções futuras mais graves, que passam por um eventual cancelamento da companhia que emprega Moro como administradora do passivo da empreiteira, pelo questionamento da legitimidade do então juiz de confirmar acordos de leniência de empresas que colaboraram com a justiça e pela própria suspensão do salário do ex-magistrado na iniciativa privada.
Moro foi contratado, em novembro, para atuar como Diretor de Disputas e Investigações da Alvarez & Marsal. A mesma empresa acabou nomeada pelo juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, João de Oliveira Rodrigues Filho, como administradora da Recuperação Judicial do Grupo Odebrecht. Como Moro atuou ativamente nos processos que levaram à condenação do Clube do Bilhão, o cartel de empreiteiras formado para fraudar contratos na Petrobras e pagar propina a políticos, julgou e condenou executivos da Odebrecht e, após a decisão do conglomerado de fechar um acordo de leniência, também homologou a colaboração que prevê o pagamento de 3,82 bilhões de reais em penalidades, integrantes do TCU querem investigar possíveis irregularidades e conflito de interesses agora que o ex-juiz mudou para o balcão da iniciativa privada.
Em nota, a Alvarez & Marsal disse que “contesta qualquer suspeita de conflito de interesses e reafirma sua atuação sob rígidas normas internacionais de Governança Corporativa e de Compliance”. “A expertise de Sergio Moro em investigações anticorrupção complexas e de alto perfil complementa a estratégia da consultoria em desenvolver soluções para as complexas questões da área de Disputas e Investigações, bem como aconselhar clientes sobre estratégia e conformidade regulatória proativa. A A&M atua na busca pelo aprimoramento, reestruturação e adoção de políticas efetivas de conformidade das empresas, e não na defesa delas”, afirmou a empresa. Sergio Moro não quis se pronunciar.