Ainda durante a leitura de seu longo voto, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal comunicou que concluirá nesta quarta-feira seu entendimento sobre a necessidade de autorização judicial para o compartilhamento de informações sigilosas por órgãos de fiscalização e controle, como a Receita e o antigo Coaf (rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira). Depois, “se houver tempo”, se posicionará o ministro Alexandre de Moraes e a sessão deverá ser encerrada por hoje. Com essa programação, o julgamento continua na tarde desta quinta-feira, 21. Se não houver tempo para a discussão ser concluída nesta semana, a análise poderá ser retomada na próxima quarta.
Reunido desde as 9h30 desta quarta, o Plenário do STF discute se o ex-Coaf, a Receita Federal e o Banco Central podem repassar dados como movimentação financeira de pessoas ao Ministério Público ou à Polícia Federal, por exemplo, sem que a Justiça conceda uma autorização específica desse pedido. O Ministério Público Federal vê prejuízos a todas apurações sobre lavagem de dinheiro em curso no país, entre elas a do caso que envolve o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.
Em sua manifestação, o procurador-geral da República Augusto Aras afirmou que os relatórios de investigação fiscal não são meios de prova, mas de obtenção destas evidências. E destacou que a decisão terá influência na economia e na forma como o Brasil é visto internacionalmente no combate à lavagem de dinheiro e o terrorismo. O PGR acrescentou que não é necessário a autorização prévia da justiça para que o Coaf ou a Receita compartilhem dados com o MPF.
“Esse sistema opera em 184 países do mundo e o Brasil necessita respeitar esse sistema, porque não é só os aspectos de combate à lavagem de capitais, não é só a lei anticorrupção que está em causa nesse julgamento, é também a credibilidade do sistema financeiro brasileiro”, frisou Aras. “É um momento crucial para o crescimento econômico do país, que mantenhamos a estrutura da segurança jurídica também para essas relações econômicas tão relevantes”, argumentou.
Esse julgamento é o último de destaque na pauta do STF deste fim de ano e também tem como pano de fundo críticas feitas a atuação desses órgãos de controle por ministros da corte e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro -já chegou a falar em “devassa fiscal” feita pela Receita contra familiares.
Ao abrir a sessão da manhã, Toffoli tentou afastar o julgamento da investigação sobre a suposta prática de “rachadinha” envolvendo o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, que trabalhou no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro. “A decisão que proferi a respeito da suspensão foi com base na determinação legal do novo CPC”, explicou. “No caso específico do senador Flávio Bolsonaro, está suspenso no caso dele por uma determinação numa reclamação que é relator o ministro Gilmar Mendes”, concluiu.
Flávio é alvo de um procedimento de investigação criminal aberto pela promotoria estadual no ano passado, com base em relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontam movimentações atípicas do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. O senador e Queiroz tiveram seus sigilos bancário e fiscal quebrados por determinação da Justiça.
“Talvez o mais importante aqui seja a questão da supervisão judicial para evitar abusos de investigações de gaveta que servem apenas para assassinar reputações sem ter elementos ilícitos nenhum. Isso pode ser utilizado contra qualquer cidadão contra qualquer empresa e isso é nosso dever coarctar (restringir, limitar)”, afirmou Toffoli ao iniciar a leitura do voto.
Entenda
Em julho, o presidente do STF Dias Toffoli suspendeu liminarmente as investigações em que houve compartilhamento individualizado de dados do Coaf sem aval do Judiciário. Agora o Supremo vai analisar se fixa regras gerais para esse tipo de repasse de informações em qualquer tipo de caso.
O impacto da liminar de Toffoli foi grande em investigações. Em nota pública divulgada nesta segunda, câmaras do Ministério Público Federal das áreas criminal, de combate à corrupção e do Meio Ambiente revelaram que ela resultou na paralisação de ao menos 935 inquéritos em todo o país. Não se tem uma conta na esfera estadual.
A Unidade de Inteligência Financeira (UIF) – antigo Coaf -, a Receita Federal e o Ministério Público Federal apontam prejuízos ao combate à corrupção e ao crime organizado caso a posição definida na liminar de Toffoli prevaleça. O ministro, contudo, sinalizou antes do julgamento que tentará fazer uma modulação – isto é, estabelecer critérios para atenuar o alcance da decisão.
(com Estadão Conteúdo)