Em abril de 2020, quando a pandemia completava o seu primeiro mês no Brasil, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demarcava diferenças com o negacionismo de Jair Bolsonaro. A postura científica firme em relação à crise sanitária rendeu a ele a aprovação de 76% da população, mais que o dobro dos 33% de seu chefe, segundo o Datafolha. Demitido pelo presidente treze dias após a divulgação desses números, em meio a trocas de farpas públicas, o médico sul-mato-grossense ganhou a condição de estrela política em ascensão. Em 2021, foi lançado candidato à Presidência pelo DEM, chegou a ter 5% das intenções de voto e participou ativamente das discussões sobre uma terceira via entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No gesto mais visível dessa articulação, assinou um manifesto pela democracia que reuniu os presidenciáveis de centro, entre eles João Doria (PSDB) e Luciano Huck, seus interlocutores frequentes. Ao lado de postulantes como Ciro Gomes (PDT), participou ainda de debates sobre os grandes temas nacionais.
Chegado o ano eleitoral, no entanto, o ex-superministro vive situação bem diferente — a sua postulação presidencial murchou, ele se afastou das articulações nacionais e a definição de seu futuro está restrita a Mato Grosso do Sul, sua base eleitoral. Nos bastidores, ele tem dito a interlocutores que a possibilidade de concorrer ao Palácio do Planalto foi perdendo cor à medida que não via em outros candidatos, como Doria e Ciro, disposição de abrir mão das próprias postulações em nome da unidade. Decepcionado com os rumos da aliança que sonhou ajudar a construir, Mandetta entende hoje que não há viabilidade eleitoral para a terceira via com tantos nomes na praça — ainda que eles continuem ensaiando um movimento de união.
Pesou também para o processo de afastamento do páreo presidencial a fusão do DEM com o PSL, que originou o União Brasil. O presidente da nova legenda, Luciano Bivar, encabeça as conversas para uma aliança com PSDB e MDB e sonha em ser vice dessa chapa. Foi Bivar, aliás, quem, em 25 de novembro de 2021, anunciou que o ex-ministro desistira da corrida ao Palácio do Planalto. Mandetta reagiu no mesmo dia. “Meu nome continua à disposição. Médico não abandona paciente”, postou no Twitter — foi a última vez que falou de política na rede, onde tem 827 000 seguidores. Aliados creem que ele deveria ter sido mais assertivo na sua pretensão. “Faltou assumir a pré-candidatura e protagonizá-la”, critica um cacique do antigo DEM.
Entre idas e vindas, uma das possibilidades a Mandetta na eleição de outubro é retomar a vida política no palco que havia descartado. No dia 8 de agosto de 2018, ele subiu à tribuna da Câmara para anunciar que não disputaria mais a reeleição a deputado após dois mandatos seguidos. Embora seja a opção mais palpável, o ex-ministro quer se distanciar da imagem de político de carreira e resiste a voltar à Câmara. A hipótese que o empolga é concorrer ao Senado, mas há um xadrez intrincado em seu estado. O União Brasil lançou a deputada Rose Modesto ao governo, mas lideranças cogitam usar a vaga ao Senado para atrair aliados. “Temos certeza de que poderemos contar com o apoio de Mandetta nas estratégias para fortalecer o partido”, diz a senadora Soraya Thronicke, presidente do União Brasil no estado.
Mesmo que consiga a indicação do partido para concorrer ao Senado, Mandetta teria como adversária a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que era do União Brasil, mas foi para o PP. Será uma parada dificílima. Afinal de contas, a ministra terá como trunfos a excelente relação com o agronegócio, pilar da economia local, e o bolsonarismo forte no estado. O destino do ex-ministro deve ser decidido até julho, quando o União Brasil espera fechar a chapa estadual. Ponderado e lúcido durante um momento tão difícil como a pandemia, Mandetta pode, sim, contribuir para elevar o nível da política nacional — seja como deputado ou senador.
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781