O empresário Joesley Batista torcia para que a prisão de Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff (PT), ocorresse antes do acordo de delação premiada dele e de outros executivos da JBS. A declaração está presente no áudio de mais de quatro horas, entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR) na última quinta-feira pelo próprio grupo empresarial, que poderá anular o acordo de colaboração. Nele, Joesley tenta tranquilizar o diretor de Relações Institucionais, Ricardo Saud, sobre outras operações que tinham a JBS como alvo.
“Eu não tenho nenhuma informação que você não sabe. Eu estou assistindo tudo, eu estou achando que está tudo normal. Está tudo dentro do… Nós vamos falar do Guido. Deus que me livre, eu estou torcendo para o Guido ser preso antes de nós falarmos. Se ele for preso, e nós falarmos, vai ser muito melhor para nós. Muito”, disse Joesley.
Em sua delação, Joesley declarou que transferiu para uma conta no exterior, a título de “vantagens indevidas”, 50 milhões de dólares destinados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e mais 30 milhões em outra conta, também no exterior, em favor de Dilma Rousseff. Os repasses, disse ele, foram feitos por intermédio de Guido Mantega.
No áudio, as falas seguintes de Saud têm falhas e não são completamente audíveis. Em certo trecho, o executivo diz: “Se eu precisar entregar o Ciro”. Na sua colaboração, Saud mencionou que o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), participou de tratativas para que o partido recebesse 42 milhões de reais. Joesley, então, responde: “Ótimo. Não precisou. Bom demais”.
Para acalmar Saud, Joesley diz que não tem nada combinado com o Ministério Público Federal (MPF) e que acha normal as operações policiais que miravam na JBS. A Operação Carne Fraca foi uma das mencionadas na conversa. “No fundo, no fundo, eles podem ser uns grandes de uns filhos das p…, mas eu estou achando que tudo está normal”, disse.
Saud afirma que tem telefonado para um Marcelo e que escuta discurso semelhante ao de Joesley. Trata-se do ex-procurador Marcelo Miller, que atuou diretamente no gabinete da PGR, antes de pedir demissão e passar a trabalhar em um escritório de advocacia que prestou serviços para a JBS. “Vou ligar para o Marcelo e ele fala que está tranquilo, que faz parte. [Diz que] está tudo certo, não tem nada mais certo. O.k., o.k., então.”
Bomba atômica
Saud, em diversos momentos, levanta a suspeita de que Joesley pode ter feito um acordo com o MPF sem o conhecimento dos outros delatores. O dono da JBS ri diante das possibilidades discutidas pelo colega e descarta ter negociado vantagens. O executivo diz que as menções na imprensa ocorrem para que seja criado um cenário favorável para a homologação da delação.
“Você vai ver. Vai ter mais zomba, mas nós não vamos ser presos, viu?”, afirma Joesley. “Mas para com essa tortura, p…”, diz Saud. “Não vai parar, não pode parar. Opinião pública, não pode parar. Semana que vem vai ter outra [operação]. Nós vamos estar fora. Na outra semana vai ter outra [imita barulho de explosão], vamos estar fora. Vão ficar assim até o dia que vamos chegar e falar: fizemos a delação”, responde Joesley.
O dono da JBS diz que “tudo faz parte do ‘mise-en-scène’“. “Não dá para um dia chegarmos e contarmos trinta traquinagens nossas. Trinta, vamos contar vinte, sei lá, traquinagens nossas, sem nós termos tomado um bombardeio. Não dá, é subliminar. Está combinado. Ninguém combinou comigo, mas está tudo combinado. Você tem que entender. Não dá para daqui a trinta, sessenta dias, nós chegarmos e dizermos que vamos falar de duzentos políticos, dos partidos, do Temer… Do nada. É estranho, vai ficar estranho.”
“O que nós vamos falar é a bomba atômica. Você imagina aparecer um cara do nada e lançar uma bomba atômica? É porque o MP foi e bateu, bateu. É bom para o MP e é bom para nós. É bom para os dois. É bom para para o MP dizer que eles são f.., que f… os caras. E, para nós, porque não tivemos outra opção, porque eles moeram a gente”, disse Joesley.
Joesley diz que antes os executivos da JBS estavam em dúvida se revelavam os esquemas de corrupção às autoridades. “Hoje não temos mais dúvidas. Nós vamos falar. Hoje, falar desse negócio vai ser muito normal”, disse. “Óbvio que, para nós, isso é muito bom. Faz parte. Como diz o Marcelo [Miller], faz parte.”
Defesa
Em nota, Marcello Miller disse que tem convicção de que não cometeu nenhum crime ou ato de improbidade administrativa. Ele afirma que está à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos.
A reportagem entrou em contato com o escritório de advocacia que defende Guido Mantega, mas não obteve manifestação do ex-ministro até o momento.