O sobrenome Sarney evoca um dos mais longevos e conhecidos clãs políticos do país. A família iniciou sua trajetória de poder em 1955, quando José Sarney assumiu uma cadeira de deputado federal pelo Maranhão. Desde então, o patriarca enfileirou outros dois mandatos na Câmara, cinco como senador — presidiu a Casa quatro vezes —, um como governador (1966-1970) e foi o presidente da República (1985-1990) que comandou a transição da ditadura militar para a democracia. Por ser o principal líder de seu estado, teve forças para emplacar a filha, Roseana, como governadora por quatro mandatos e o filho Zequinha como deputado federal por nove, que também foi duas vezes ministro do Meio Ambiente, nos governos de FHC e Michel Temer. Como se não bastasse, tutelou uma série de governadores alinhados à família, que prolongaram o domínio dos Sarney no Maranhão por quase cinco décadas.
Essa oligarquia vive hoje um processo de declínio, e o único membro do clã atualmente com cargo eletivo prefere manter distância do sobrenome famoso. A “ovelha negra” é o deputado estadual maranhense Adriano Sarney (PV), neto do ex-presidente e um dos três deputados de oposição numa Assembleia tomada por aliados de Flávio Dino (PCdoB). O comunista impôs aos Sarney, em 2014, o fim do domínio no Maranhão, período no qual o estado ostentou alguns dos piores indicadores sociais do país e condição que o governador, hoje no segundo mandato, está longe de conseguir reverter. Filho de Zequinha, também derrotado na eleição ao Senado em 2018, Adriano sonha com voos mais altos e já contratou um marqueteiro para preparar sua candidatura à prefeitura de São Luís, em outubro. A tentativa de reformular sua imagem começou no ano passado, quando enviou ofício à mesa diretora da Assembleia para pedir que o sobrenome fosse retirado de sua alcunha pública — a placa do gabinete ostenta apenas o nome Adriano. “Não tenho vergonha de dizer que sou do grupo Sarney, mas quero construir uma identidade própria. Muita gente tem preconceito, acha que todos são iguais e pensam igual”, afirmou o deputado a VEJA. Na época, a iniciativa provocou a fúria de José Sarney, que a considerou vergonhosa para o clã.
Casado desde 2012 com a assessora do Tribunal de Contas do Estado Maria Fernanda Del Rey e pai de dois filhos, Adriano tem 39 anos — cinquenta menos que o avô. Formado no exterior em economia e gestão, ele apareceu pela primeira vez no noticiário em 2009, quando veio à tona o escândalo dos atos secretos do Senado. O esquema envolveu a concessão, na surdina, de uma série de benefícios a um grupo seleto de servidores. Uma empresa da qual Adriano era sócio intermediou a contratação de créditos consignados e seguros de vida para funcionários do Senado quando José Sarney presidia a Casa. Adriano declarou à época que era um profissional qualificado e que não tinha havido favorecimento. Chegou à Assembleia do Maranhão na primeira tentativa, em 2014, mas viu Dino derrotar Lobão Filho (MDB), o candidato apoiado pela família. Restou a Adriano fazer oposição à gestão do comunista. Segundo ele, Dino é “o maior perseguidor da história do Maranhão” (uma ironia, sendo neto de uma dinastia conhecida por ser impiedosa com os adversários). Como parlamentar, ele tem um desempenho discreto. São de sua autoria leis que vão desde o combate ao assédio sexual no transporte público até a criação do Dia da Poesia.
Enquanto Adriano sonha com a prefeitura de São Luís, outros membros do clã encontram-se em uma fase modesta da carreira política. Roseana estuda lançar-se a deputada federal em 2022 pelo MDB, e Zequinha é atualmente secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal. “Estou com mais energia do que eles”, garante Adriano, cuja candidatura ainda não foi apoiada por ninguém do grupo Sarney. Por uma questão de sobrevivência, ele esboça uma tentativa de colar sua imagem à de Jair Bolsonaro. Em 2018, o presidente obteve em São Luís uma proporção de votos bem acima da média estadual: 42% na cidade, em comparação a 26% no Maranhão. “É um erro Bolsonaro não ter investido num contraponto ao Dino no Maranhão. Vou aproveitar a oportunidade para me apresentar”, diz Adriano, que assegura nunca ter conversado com o presidente. Dino deverá se manter neutro no primeiro turno, para não prejudicar a coalizão de dezesseis partidos que sustenta seu governo, mas vai apoiar o candidato da base que avançar ao segundo turno. Um dos nomes que despontam é o deputado estadual Duarte Júnior, do Republicanos. Na oposição, quem ganha força é o deputado federal Eduardo Braide, do Podemos. Por enquanto, o Sarney que não quer mais ser Sarney é zebra na corrida à prefeitura.
Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677