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Joias e suposto elo com tráfico: o currículo reluzente de deputado do Rio

Com clientela famosa, Tiego Silva, o TH Joias, que acaba de assumir uma vaga na Assembleia, apela em liberdade de uma condenação por ligação com traficantes

Por Ludmilla de Lima Atualizado em 5 jul 2024, 12h07 - Publicado em 5 jul 2024, 06h00

Não são poucas as figuras questionáveis que ocupam gabinetes na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mesmo assim, chama atenção o nome que, há pouco mais de um mês, foi pregado na porta do gabinete 1606: Tiego Raimundo dos Santos Silva, 35 anos, novato na política que chegou ao cargo na condição de suplente do MDB, na vaga do deputado Otoni de Paula Pai, falecido em maio. Além da natural falta de familiaridade com o ritual das sessões no plenário e a interação com os colegas nos bastidores, Silva se destaca pelo currículo: mais conhecido como TH Joias, empresário que ganhou fama e fortuna vendendo vistosas peças de ouro e diamantes para celebridades, ele está na mira das autoridades por sua suposta relação com o crime organizado. Condenado a catorze anos, onze meses e 22 dias de prisão pela Justiça do Rio de Janeiro, em 2022, chegou a passar quase dez meses atrás das grades, entre 2017 e 2018, e só pôde assumir o cargo por força de um habeas corpus que lhe permite apelar da sentença em liberdade.

TH não era a primeira opção do partido para a vaga. Pela ordem, ela iria para Rafael Picciani, o primeiro suplente. Mas Picciani, integrante de um clã que comandou a política fluminense por décadas, preferiu permanecer como secretário estadual de Esporte e Lazer na gestão do governador Cláudio Castro. Assim, abriu caminho para o joalheiro, que, eclético, é acusado de lavar dinheiro para as três facções criminosas mais atuantes do estado: Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigo dos Amigos (ADA). Ele ainda responde pelos crimes de corrupção ativa e organização criminosa. “Não tem trânsito em julgado, sou réu primário, ficha limpa”, esquivou-se TH em entrevista a VEJA, na sede da Alerj.

Segundo o inquérito da Polícia Civil, porém, ele atuava pagando propina aos agentes das forças de segurança e comercializando drogas, fuzis e outros armamentos pesados. Também seria responsável por avisar com antecedência a bandidagem de operações da PM e das delegacias especializadas em comunidades como Muquiço, Vila Aliança, Serrinha e Complexo da Maré. Ao todo, de acordo com o Ministério Público, a quadrilha que chefiava teria movimentado cerca de 7 milhões de reais em dois anos.

O nobre deputado fez carreira vendendo as joias espalhafatosas da preferência de funkeiros, jogadores de futebol e artistas, do tipo das correntes de ouro e pedras preciosas, com pingentes que chegam a pesar mais de 3 quilos, exibidos no pescoço de gente do quilate de Neymar, Vini Jr., Adriano Imperador, Ludmilla e MC Poze do Rodo. Mesmo aí, há indícios de irregularidade: os investigadores identificaram que a empresa que leva seu nome não estava declarada no imposto de renda e não registrava movimentação financeira.

CLIENTELA - Vini Jr., Ludmilla e MC Poze (à dir.): peças de ouro e diamantes que podem pesar 3 quilos
CLIENTELA - Vini Jr., Ludmilla e MC Poze (à dir.): peças de ouro e diamantes que podem pesar 3 quilos (Reprodução/Instagram)

A investigação mapeou à época os únicos bens declarados de TH: um apartamento de 600 000 reais no Recreio, na Zona Oeste carioca, e uma Land Rover avaliada em 215 000 reais — ambos bloqueados pela Justiça. Também era sócio de um restaurante, do qual diz ter saído. Agora, mora em uma mansão num condomínio da Barra da Tijuca e expõe uma vida de luxo nas redes, ora nos Emirados Árabes Unidos, ora a bordo de lanchas em Angra dos Reis. “O apartamento e o carro estavam financiados. A viagem a Dubai foi um pacote que paguei cinco meses antes”, justifica TH, que coloca a culpa por eventuais anomalias financeiras no seu contador.

Mais difícil de explicar é a apreensão de um telefone celular com 600 contatos na agenda e milhares de mensagens suspeitas. Em um dos diálogos, um traficante reclama de sua favela ter sido alvo de operações da polícia. “Estão querendo deixar a sintonia de lado e começar a ir lá direto”, responde TH, acrescentando que estava tentando negociar com os policiais. “Esse celular não é meu, nunca foi”, alega o atual deputado, que se declara vítima de armação política para prejudicá-lo. Perguntado sobre quem estaria por trás de tal manobra, tergiversa: “Pode estar no meio político, ou ser motivado por inveja de um jovem favelado que cresceu na vida”.

TH nasceu no Morro do Fubá, comunidade pobre da Zona Norte, onde o pai era presidente da associação de moradores e trabalhava com compra e venda de ouro. Aos 19 anos, o caçula de cinco irmãos seguiu seus passos e começou a vender joias e liderar ações sociais. Até hoje, patrocina uma festa de Dia das Crianças na Praça do Rala Coco, cuja decoração inclui faixas com seu nome em letras garrafais. A entrada na política se deu ao se aproximar de Marcos Falcon, então presidente da Portela, que concorria a uma vaga como vereador e foi assassinado poucos dias antes da votação. No vácuo deixado pelo amigo, cresceu dando apoio a times de futebol e até a torneio de bola de gude e de pipa. Após temporada na cadeia, filiou-se ao MDB levado por Gutemberg Reis, um dos caciques locais, e obteve 15 105 votos na eleição de 2022. Agora, o deputado sonha em fazer faculdade de ciências políticas e, um dia, chegar à Câmara Federal, apesar da folha corrida recheada. “Ele não é o único político de currículo questionável da Assembleia”, observa um aliado. Triste Alerj, triste Rio de Janeiro.

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900

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