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Violência da ditadura era planejada nos palácios, diz filho de Herzog

Para o engenheiro Ivo Herzog, documento da CIA quebra a narrativa de que execução de opositores era obra do abuso de poder de oficiais de baixa patente

Por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h20 - Publicado em 15 Maio 2018, 18h01
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  • O engenheiro naval Ivo Herzog tinha apenas nove anos quando, em 1975, seu pai, o jornalista Vladimir Herzog, foi assassinado em um porão da ditadura militar. Hoje, 43 anos depois, ele é presidente o conselho de administração da entidade que leva o nome do pai e que se concentra na defesa dos direitos humanos, educação e liberdade de imprensa.

    No começo da semana, Ivo obteve uma boa notícia: atendendo a um pedido dele, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (PSDB), decidiu pedir à agência de inteligência dos Estados Unidos, a CIA, o acesso oficial do governo brasileiro a todos os documentos americanos sobre a ditadura que vigorou por aqui entre 1964 e 1985.

    O fio do novelo é o relatório que veio à público sobre uma reunião comandada pelo general Ernesto Geisel, então presidente, em 1974, segundo o qual o ditador autorizou a continuidade de uma política de execuções de opositores do regime. Para o engenheiro, é a prova de que a violência da ditadura estava no comando e não restrita aos “porões”, onde oficiais de baixa patente teriam, por conta própria, abusado de seus poderes.

    Em entrevista a VEJA, o filho de Vlado, como o então diretor da TV Cultura preso e assassinado era conhecido, defende a revisão da Lei da Anistia, para finalmente poder “virar a página”. “Não é possível construir futuro algum na ignorância do que aconteceu no passado”

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    O ministro Aloysio Nunes atendeu a um pedido do senhor ao determinar à embaixada brasileira em Washington que solicite o acesso do governo brasileiro aos documentos da CIA sobre a ditadura militar. Qual é a expectativa do senhor depois dessa decisão?

    Espero que esses documentos façam a sociedade entender que a Lei da Anistia, nesse entendimento atual do STF, é um grande equívoco. Não colabora em nada para que a sociedade evolua e leva a uma cultura de impunidade. Ainda tem muita história para ser contada. Nos documentos, você vê partes dos governos do Geisel e do Figueiredo. E dos anteriores? Tem mais informação que eu acho que possa aparecer, principalmente para detalhar a cadeia de comando do Governo e do Exército. É o caso, por exemplo, do delegado Sérgio Fleury, que todo mundo sabe que chefiava essas operações, mas não há um único documento legal que reconheça isso – e, hoje, ele é até nome de rua.

    O senhor imagina que, dentro desses documentos, surgirão novas informações a respeito da morte do seu pai?

    Eu acredito que sim, porque foi um caso que teve muita repercussão internacional na época. Logo, com certeza devem ter havido conversas internas entre as agências do governo americano sobre ele. O que a história mais ou menos tentou plantar foi a narrativa de que o Ernesto Geisel ficou incomodado com a morte do meu pai. E que, quando morreu o Manoel Fiel Filho [metalúrgico assassinado durante a ditadura], ele ficou indignado e mudou o Comando do Exército. Isso é ou não é verdade?

    Depois desses documentos, eu não acredito mais nessa versão. Se o presidente estava a par e consentiu com os assassinatos, então o que se montou era um teatro, para passar a falsa impressão de que a violência não se originava no governo. A violência não era planejada por pessoas que estavam nos porões, mas sim no Palácio do Planalto.

    A respeito de uma eventual revisão da Lei da Anistia, como o senhor imaginaria que isso ocorreria hoje, considerando inclusive que muitas daquelas pessoas não estão mais vivas?

    O Estado tem que contar essa história e responsabilizar as pessoas, independentemente se elas estão ou não vivas, até porque elas representavam uma instituição. Nós temos, em São Paulo, uma Polícia Militar que é uma das mais letais do mundo. E por quê? Por causa desse processo de impunidade aos agentes do Estado. Temos uma cultura de violência porque não assumimos e não enfrentamos esses problemas. O Estado e as Forças Armadas não assumem os excessos que cometeram ao longo da história e, por isso, continuam cometendo.

    A revisão da Lei da Anistia teria um papel mais simbólico do que punitivo?

    Isso. Muitas pessoas dizem que precisamos virar essa página da história, mas só vamos poder virá-la quando conhecermos todos o conteúdo dessa página. Então precisamos preencher, mostrar o que foi a Ditadura Militar no Brasil. Aí poderemos virá-la e construir um futuro. Não é possível construir futuro algum na ignorância do que aconteceu no passado. Enquanto isso não acontecer, cometeremos os mesmos erros, o que vem acontecendo, com pessoas, inclusive militares, defendendo a volta da ditadura.

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    O presidente Michel Temer já relativizou os documentos da CIA, dizendo se tratar de uma versão dos fatos. Como o senhor vê a posição do governo diante dessa situação?

    Infelizmente, o presidente Temer tem se mostrado muito mais alinhado à governos da época da ditadura do que com uma democracia como a que lutamos para conquistar. Ele é o primeiro presidente que coloca, como ministro da Defesa, um militar. Esse ministério foi criado justamente para impor um poder civil eleito pelo voto para comandar o país em todos os aspectos.

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    O senhor recebeu algum contato do governo sobre a sua carta?

    Só um e-mail informando a decisão do Itamaraty, a solicitação para que a embaixada em Washington fizesse o pedido dos documentos ao governo americano. Eu tenho muito respeito pelo ministro Aloysio Nunes. O conheço pessoalmente, ele tem uma história política importante, mas eu gostaria que ele fizesse mais que um despacho interno, que ele viesse à público falar sobre esse episódio. Gostaria que o nosso ministro das Relações Exteriores, com a história que tem, dissesse o que pensa sobre tudo isso.

    Além do que, o Itamaraty é um órgão importante para a própria discussão sobre a Anistia. A família Herzog está movendo um processo na Corte Interamericana de Justiça pedindo que se faça justiça sobre a morte do meu pai. E um dos órgãos que tem se colocado contra o processo é justamente este. Eu gostaria de saber o que o ministro Aloysio Nunes pensa sobre isso, que ele dissesse se o Caso Herzog deve ou não ser investigado e se as pessoas envolvidas no crime contra o meu pai devem ou não vir à tona.

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