Quando se pensa que tudo sobre o lamaçal de corrupção no qual submergiu a política do Rio de Janeiro já foi revelado, sempre tem mais. Desta vez, a teia de malfeitos com o dinheiro público laçou o governador Luiz Fernando Pezão (MDB), o sucessor de Sérgio Cabral. Às 6 horas da quinta-feira 29, Pezão tomava o café da manhã servido por garçons no Palácio Laranjeiras, a residência oficial, na Zona Sul carioca, quando os policiais federais apareceram. O governador achou tratar-se de um mandado de busca e apreensão, mas os agentes estavam lá para cumprir a prisão preventiva decretada contra ele e autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça, já que Pezão tem foro privilegiado. O motivo: segundo a PF, durante a era Cabral, de 2007 a 2014, o então vice-governador recebeu 150 000 reais por mês provenientes de propina. Mais: um 13º salário e dois bônus de 1 milhão de reais cada um — tudo somado e atualizado pela inflação, a conta chega a 39 milhões de reais em valores de hoje.
Quando ele assumiu o governo, a farra não cessou. “Depois da saída de Cabral, Pezão passou a comandar seu próprio esquema de corrupção”, disse o delegado Alexandre Bessa, da Polícia Federal. Cobrava até 8% em cima dos contratos. Para a Procuradoria-Geral da República, ele assumiu, em paralelo, a liderança do sistema cabralino de propinas, que continuou a operar sobretudo na atividade de lavar dinheiro.
A prisão do governador insere-se no braço da Lava-Jato no Rio e é parte da Operação Boca de Lobo (referência aos bueiros por onde escoam a sujeira das ruas e o dinheiro público que “vem escorrendo pelo esgoto”, segundo a explicação oficial do batismo). Foram emitidos ao todo nove mandados de prisão e 31 de busca e apreensão. No caso de Pezão, a delação de Carlos Miranda, o grande operador do propinoduto de Cabral, foi decisiva para as investigações, que também se basearam em provas documentais do pagamento em espécie ao governador. Bilhetes apreendidos pela PF que indicam o destino da roubalheira fazem menção a “Big Foot” e a “Pé”.
Segundo governador brasileiro a ser preso no exercício do mandato (o primeiro, em 2010, foi José Roberto Arruda, do Distrito Federal), Pezão entra para a longa relação de políticos fluminenses encarcerados. Divide o pódio vergonhoso com outros três governadores que, antes dele, também foram para a cadeia. Cabral está atrás das grades desde 2016, condenado (até agora) a 183 anos. Anthony e Rosinha Garotinho tiveram, ambos, passagens carcerárias. Constam ainda do rol todos os presidentes da Assembleia Legislativa entre 1995 e 2017, dez deputados estaduais, cinco conselheiros do Tribunal de Contas e um ex-procurador-geral de Justiça.
A desmoralização da elite política do Rio coincide com a pior crise da história do estado, sob intervenção federal na segurança e que só paga suas contas graças a empréstimos e um acordo com Brasília. Com a prisão de Pezão, tomou posse o vice, Francisco Dornelles (PP), de 83 anos. É triste, mas há um aspecto positivo nisso tudo: ao menos no Rio é certo que a corrupção tem sido combatida com invejável afinco, o que talvez não esteja acontecendo em outros estados. Em janeiro, quando o novo governador, Wilson Witzel, assumir, Pezão perde o foro privilegiado, o processo sai da esfera do STJ e volta para a primeira instância.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611