O ano era 2016, e as ruas do país ferviam com os atos pelo impeachment de Dilma Rousseff. Em meio ao mar de camisas verde-amarelas, proliferavam mensagens de apoio à Lava-Jato, então no seu auge. Faixas e cartazes traziam o rosto ou o nome de Sergio Moro, o juiz que acossava os políticos investigados por corrupção. Seu prestígio o alçou à condição de herói nacional (ganhou até um gigantesco boneco inflável, o “Super-Moro”) e a uma espécie de presidente da “República de Curitiba”, nome dado pelos simpatizantes à força-tarefa da capital paranaense. Em pouco tempo, tudo mudou. Moro deixou de ser juiz, virou ministro de Jair Bolsonaro (PL), brigou com o presidente e seus apoiadores, foi desempenhar uma polêmica atividade de consultoria privada e achou, no fim de 2021, que poderia tentar conquistar o Palácio do Planalto. Chegou a ficar em terceiro lugar nas pesquisas, embalou o sonho de uma terceira via mais à direita, mas erros políticos e reveses no Supremo Tribunal Federal fizeram virar pó o sonho presidencial. Rebaixou a perspectiva, tentou ser candidato ao Congresso por São Paulo, mas teve seu domicílio eleitoral invalidado pela Justiça. Sobrou apenas voltar para onde tudo começou. “Neste momento, eu aprendi que o mais inteligente é unir forças, lutar dentro das minhas muralhas. E o Paraná é minha terra. É uma alegria imensa estar de volta”, disse em vídeo.
A casa, no entanto, está longe de ser um porto seguro. O movimento do ex-juiz leva mais indefinição ao já confuso cenário local. Ele mesmo não sabe ainda a qual cargo vai concorrer. A pretensão inicial era o Senado, hipótese que ganhou força com pesquisas internas do União Brasil, seu partido. Contudo, parte da legenda defende que o ex-ministro esteja na Câmara, para onde poderia levar outros deputados como puxador de voto. Sem rumo definido, deu início a um périplo pelo estado para “ouvir a população”. Em entrevista recente, deixou em aberto a possibilidade de disputar o governo e brincou que adoraria ser o presidente da “República do Paraná”.
A definição de Moro pode ter várias consequências, inclusive para o seu padrinho político, o senador Alvaro Dias (Podemos). O partido defende a tentativa de reeleição ao cargo, mas não descarta a candidatura ao governo. Nesse caso, abriria caminho para formar uma chapa “puro-sangue” da Lava-Jato, com Moro ao Senado e o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos) à Câmara. Tanto Dias quanto o União Brasil preferem, no entanto, esticar a corda até as convenções de julho e agosto.
Embora digam que suas decisões dependem apenas de seus partidos, o futuro do Podemos e do União passa pelo governador Ratinho Jr. (PSD), candidato à reeleição. As duas legendas integram a base de apoio dele, mas Dias não terá espaço na chapa governista para tentar a reeleição ao Senado. Ratinho disse no fim de maio que, caso o PSD fique neutro na disputa nacional, ele vai “caminhar junto” com Bolsonaro, a quem apoiou em 2018. Nesse caso, o deputado Paulo Eduardo Martins, do PL de Bolsonaro, deve ser o candidato ao Senado. Ratinho, no entanto, parece estar recalculando a rota, já que 41% dos eleitores do estado desaprovam o governo federal, segundo levantamento do instituto Paraná Pesquisas. Um eventual recuo em relação a Bolsonaro pode abrir espaço até para Moro na coligação, já que Ratinho prepara reunião com líderes do União Brasil para discutir uma aliança.
Quem pode se beneficiar de tanta indefinição é a esquerda. O candidato da frente que apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Requião (PT), já governou o estado por três mandatos e tem 25,2% das intenções de voto, ante 48,5% de Ratinho. A entrada de Dias ou de Moro na disputa ao governo racharia o eleitorado de centro-direita e elevaria a possibilidade de segundo turno. Ratinho dificilmente fechará uma aliança juntando a seu lado Moro e Bolsonaro, inimigos declarados. Se não conseguir, o estado pode ter uma disputa entre lavajatismo, bolsonarismo e petismo, um cenário que chegou a se desenhar na disputa nacional e não prosperou.
É nesse contexto enrolado que Moro tentará a sua controversa e difícil estreia nas eleições. Apesar de estar em casa, o caminho para o “herói da Lava-Jato” não deve ser nada fácil — rejeitado por bolsonaristas e petistas e até por uma ala de seu partido, ele terá dificuldades para explicar por que voltou para casa após fracassos no país e em São Paulo para lançar uma candidatura. O apoio maciço das ruas não existe mais e o ex-juiz, que se destacou até aqui por movimentações desastradas na política, terá de se mostrar agora um craque nesse campo para virar o jogo a tempo.
Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795