O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse que conversou com Jair Bolsonaro por telefone nesta segunda-feira, 18. Em um tuíte publicado pelo ucraniano após a conversa, o ucraniano afirmou que os dois líderes discutiram a crise provocada pelo cerceamento das exportações de grãos do país pelo exército russo, que bloqueia os portos desde a invasão no dia 24 de fevereiro.
“Eu o informei sobre a situação no front. Discutimos a importância de retomar as exportações de grãos ucranianos para evitar uma crise alimentar global provocada pela Rússia”, disse Zelensky.
As Nações Unidas e a União Europeia já alertaram para o perigo de uma crise alimentar global devido à falta de grãos. O chefe de política externa do bloco europeu, Josep Borrell, disse que “não se pode imaginar que milhões de toneladas de trigo permaneçam bloqueadas na Ucrânia enquanto no resto do mundo as pessoas passam fome. Este é um verdadeiro crime de guerra.”
Além disso, Zelensky acrescentou que todas as nações deveriam unir esforços contra a Rússia, aderindo a sanções econômicas para prejudicar o financiamento da guerra: “Peço a todos os parceiros que se juntem às sanções contra o agressor”, completou, no mesmo tuíte.
Had a conversation with President of Brazil @jairbolsonaro. Informed about the situation on the front. Discussed the importance of resuming 🇺🇦 grain exports to prevent a global food crisis provoked by Russia. I call on all partners to join the sanctions against the aggressor.
— Володимир Зеленський (@ZelenskyyUa) July 18, 2022
Essa foi a primeira conversa entre os dois desde o início do conflito com a Rússia. Pouco antes do início da guerra, Bolsonaro se encontrou com o presidente Vladimir Putin em Moscou.
+ Covid-19 e guerra na Ucrânia levam mais 150 milhões à fome
“Solução para a guerra”
Anteriormente, Bolsonaro havia dito que não sabia do que o telefonema, agendado na semana passada, se trataria. No entanto, declarou que o conteúdo da conversa com o líder ucraniano seria “segredo de Estado”.
“Eu não sei o que ele vai falar comigo, o Zelensky, né? Mas eu pretendo falar para ele o que eu acho, né? E se perguntar para mim alguma coisa, onde podemos colaborar, eu vou dar a minha opinião, já que só vou dar se ele pedir”, afirmou Bolsonaro a jornalistas no domingo 17.
Ele completou que “[a ligação] não pode vazar, é segredo de Estado, assim como a minha conversa com o [presidente russo, Vladimir] Putin, levou três horas, falamos muita coisa”.
Pouco antes do início da guerra, Bolsonaro se encontrou com Putin em Moscou. A visita foi criticada por governos internacionais, incluindo o dos Estados Unidos. A então porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, chegou a afirmar que o Brasil parecia “estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global”.
Na semana passada, o presidente brasileiro havia citado a possibilidade de apresentar a Zelensky uma “solução para a guerra com a Rússia”. Nas publicações em suas redes sociais sobre a conversa, no entanto, o líder ucraniano não citou qualquer discussão sobre a questão.
Apesar de não ter falado textualmente, deu a entender na última quinta-feira, durante entrevista à rede CNN, que o ideal seria que a Ucrânia se submetesse à Rússia e negociasse um cessar-fogo para o conflito.
Ele insinuou que haveria risco de a história repetir o exemplo da guerra entre argentinos e britânicos pelo controle das Malvinas (ou Falklands), que durou dois meses e terminou com as tropas argentinas massacradas em um cerco a Port Stanley, o que levou a Argentina à rendição. Até hoje a Argentina não tem o controle do território que reivindica como seu por direito.
“Vou dar a minha opinião a ele sobre o que eu acho. A solução para o caso (guerra). Eu sei como seria a solução do caso, mas não vou adiantar. A solução do caso… Como acabou a guerra da Argentina com o Reino Unido em 1982? É por aí. A gente lamenta. A verdade é algo que dói, machuca, mas você tem que entender”, disse.
Segundo Bolsonaro, “foi ele [Zelensky] quem buscou a conversa conosco. Eu disse de imediato que conversaria com ele, sim. Ele tem um país grande para administrar. Tudo o que foi acordado com o presidente Putin está sendo cumprido”.
De que lado o Brasil está?
Embora o Brasil tenha votado a favor de resoluções contra o governo russo na Organização das Nações Unidas, o governo segue uma estratégia de tentar evitar críticas diretas para aliviar possíveis impactos econômicos, sobretudo no setor agrícola. O chanceler Carlos França afirmou que o Brasil poderia atuar como mediador para encerrar o conflito e voltou a criticar sanções econômicas aplicadas aos russos.
“O Brasil tem credenciais para ser mediador. Somos membros do Brics [bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], somos um ator global, com tradição democrática, e temos uma diplomacia que se construiu ao longo de 200 anos como formadora de consensos e voz sempre respeitada na ONU”, disse o ministro aos senadores.
Sobre as sanções, mesmo reconhecendo que a agressão da Rússia ao país vizinho é inadmissível, disse que as medidas econômicas são seletivas e prejudicam países fornecedores de alimentos, como o Brasil, que tenta conseguir fertilizantes.
“Eu até entendo o uso de sanções pela Europa e pelos EUA. No entanto, não posso deixar de estranhar a seletividade das sanções”, afirmou França. “Sanções tendem a preservar interesses imediatos de um pequeno grupo de países e prejudicam quem mais depende de importação de alimentos e tem menor capacidade financeira.”