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A brigada anti-Moro

Segunda Turma do STF, já apelidada de Supreminho, abre brecha para atender a um antigo desejo de Lula: livrar-se do juiz de Curitiba. Tarefa não será fácil

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h34 - Publicado em 27 abr 2018, 06h00
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  • O ex-presidente Lula tenta há dois anos escapar das mãos do juiz Sergio Moro. Com esse objetivo, sua defesa entrou com mais de uma dúzia de recursos na Justiça no período — e perdeu todos. Nesta semana, porém, o petista vislumbrou uma possibilidade de mudar sua sorte. Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que ganhou o jocoso apelido de Supreminho porque não se preocupa em manter coerência nos votos, decidiu remeter trechos da delação premiada da Odebrecht de Curitiba para São Paulo. Seis meses antes, o Supreminho havia julgado a mesma questão — e o placar foi de 5 a 0 contra Lula. Agora, mudaram de voto os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que entenderam — agora, frise-se — que as colaborações dos delatores não tinham conexão com os desvios da Petrobras e, portanto, não deveriam estar nas mãos de Moro. Desde setembro de 2015, por entendimento do STF, cabem ao juiz de Curitiba apenas as ações ligadas à petrolífera.

    Os advogados de Lula celebraram a decisão como se o tribunal já tivesse decretado a incompetência de Moro para julgar os processos do petista — uma vez que a transferência dos trechos da delação da Odebrecht para outra vara “esvaziaria” ações contra o ex-presidente. A da reforma do sítio de Atibaia, por exemplo, está na etapa de oitiva de testemunhas e a da compra de um prédio para sediar o Instituto Lula, na fase de alegações finais. Na prática, no entanto, especialistas explicam que o entusiasmo do advogado Cristiano Zanin não é inteiramente justificado. Por dois motivos. O primeiro é que, de concreto, o que se decidiu até agora foi a remessa de parte das provas contra Lula para a Justiça Federal de São Paulo. Só que os trechos da delação, mesmo estando em São Paulo, podem ser compartilhados com Curitiba, a pedido da força-­tarefa da Lava-Jato ou do próprio Moro. O segundo motivo que torna exagerado o otimismo da defesa do ex-­presidente é que, conforme diz a força­-tarefa, os processos contra Lula que estão nas mãos de Moro não dependem das delações da empreiteira.

    A brigada anti-Moro
    Volúvel - Dias Toffoli: o que era não virou sim em seis meses: o ministro foi acompanhado por Gilmar e Lewandowski (Renato Costa/FramePhoto/Agência O Globo)

    Um pente-fino no material comprobatório mostrou que a denúncia que envolve a compra de um terreno para o Instituto Lula, por exemplo, foi apresentada antes das delações dos executivos da Odebrecht, e os próprios delatores, ainda na condição de testemunhas de acusação, já haviam sido ouvidos por Moro e confirmado os fatos. Na visão dos procuradores, portanto, se os depoimentos da delação da empreiteira saírem do escopo de Moro, outras oitivas dos mesmos executivos podem ser aproveitadas para embasar a acusação. Diante disso, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ainda analisa se vale a pena recorrer ao próprio Supreminho contra a decisão, já que ela pouco ou nada muda.

    Apesar da empolgação dos advogados de Lula, que já protocolaram dois pedidos para afastar Moro dos processos do petista, lideranças do partido reagiram com reservas à novidade. Evitaram comemorá-la e optaram por concentrar atenções nos ataques à juíza Carolina Lebbos, que toma as decisões sobre a rotina de Lula na sala da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde ele está preso há três semanas.

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    A magistrada autorizou a visita de familiares e advogados, mas recusou todos os mais de trinta pedidos de amigos para se encontrarem com o ex-presidente. Entre os barrados estão a ex-­presidente Dilma Rousseff, o pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes, e o Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, além de uma comissão de governadores e outra de deputados. Tirando familiares de Lula, os únicos que conseguiram visitá­-lo até agora foram onze senadores da Comissão de Direitos Humanos — a pretexto de “vistoriar as condições do cárcere” ocupado por Lula.

    Tanto a Lei de Execuções Penais como as chamadas Regras de Mandela, um acordo internacional do qual o Brasil é signatário, preveem o direito dos presos de ser visitados por amigos em dias determinados. A juíza Carolina Lebbos, no entanto, entende que esse não é um direito absoluto — a Constituição só se refere a visitas de “familiares” — e depende das normas do local em que a pena é cumprida. Na carceragem da PF onde está o petista, nenhum preso tem direito a visita de amigos. “O alargamento das possibilidades de visitas a um detento, ante as necessidades logísticas demandadas, poderia prejudicar as medidas necessárias à garantia do direito de visitação dos demais. Dito isso, não se vislumbra ilegalidade flagrante na limitação geral. Deve, neste momento, ser observado o regramento vigente, o que inviabiliza o acolhimento dos pedidos de visita deduzidos”, escreveu a juíza. Na prática, ao contrário do que dizem os petistas, a juíza não comete nenhuma ilegalidade ou abuso. Mas, ao contrário do que admitem detratores de Lula, a juíza Carolina Lebbos certamente tem uma mão pesada.

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    Plano B Haddad: encontro com Ciro Gomes na semana em que Lula “liberou” a escolha do candidato do partido (Leonardo Benassatto/Reuters)

    Não é de hoje que a magistrada chama atenção pelo estilo linha-dura. No ano passado, ela determinou que oficiais de Justiça fossem todos os sábados, durante um mês, à casa de presos domiciliares para checar se estavam cumprindo as regras. Em 2016, advertiu o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco de que ele poderia perder os benefícios da delação premiada se continuasse não apresentando relatórios de suas atividades. “Não se pode criar um sistema de exceção que beneficie o ex-presidente em detrimento dos demais presos. É preciso lembrar que ele está preso e que a carceragem não comporta procissão diária de políticos”, diz Fernando Castelo Branco, professor de direito penal da Pontifícia Universidade Católica (PUC).

    Mesmo encarcerado e inelegível, Lula continua disposto a ditar os rumos do PT. Desde que foi preso, em 7 de abril, já enviou três cartas à militância por meio de seus advogados. Na última, liberou a sigla para decidir sobre o candidato à Presidência da República. “Queria que vocês ficassem totalmente à vontade para tomar qualquer decisão, porque 2018 é muito importante para o PT, para a esquerda, para a democracia. E, para mim, eu quero a minha liberdade”, disse em carta lida pela presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann.

    Nas últimas semanas, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, apontado como a principal alternativa petista a Lula, passou a ser criticado internamente por reunir-se com políticos de outros partidos. Na segunda-feira 23, ele esteve com Ciro Gomes, do PDT. Apesar dessas movimentações, o PT mantém o discurso de que o “plano A, B e C” das eleições deste ano ainda é Lula, que em pesquisa Ibope desta semana voltou a aparecer em primeiro lugar (20%) nas intenções de voto em São Paulo. Haddad obteve meros 3%. Além de ter sido condenado no caso do tríplex e de enfrentar dois processos na Lava-Jato, Lula é réu em quatro ações penais que tramitam na Justiça Federal de Brasília — duas sobre a compra de medidas provisórias e dos caças da Suécia, uma sobre suposto favorecimento da Odebrecht junto ao BNDES e a outra pela suposta tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras.

    E mais pode estar por vir. O ex­-ministro da Fazenda Antonio Palocci acaba de fechar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, segundo informação publicada pelo jornal O Globo. Palocci está preso desde setembro de 2016 e foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Além de corroborar os depoimentos da Odebrecht, o ex-ministro deve revelar novos esquemas de corrupção na contratação de navios­-sonda da Petrobras para a exploração do pré-­sal, de empréstimos concedidos pelo BNDES e da sua atuação como lobista depois de sair do governo. A colaboração do ex-ministro ainda precisa ser homologada pela Justiça. Se isso ocorrer, será a primeira vez desde o início da Lava-Jato que um quadro de primeira grandeza do PT — e que participou de boa parte dos treze anos dos governos Lula e Dilma — decide quebrar o silêncio e abrir a boca. O ex-presidente, afirma o jornal, é um dos políticos mais citados no acordo. Pelo visto, o PT vai ter de encontrar um “plano D”.

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    Publicado em VEJA de 2 de maio de 2018, edição nº 2580

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