A era da incerteza
Brasil não é tão vulnerável a ataques especulativos quanto a Argentina, mas retração no crescimento e tensão pré-eleitoral deixam país exposto a solavancos
As coisas se desfazem; o centro não se sustenta.” Em 2016, tornou-se um clichê absoluto, entre os analistas políticos e econômicos, citar o verso acima, de The Second Coming (O Segundo Advento), do poeta irlandês William Butler Yeats. Escrito originalmente em 1919, no ambiente do pós-guerra europeu, o poema parece apropriado para resumir o choque atual causado pelo esfacelamento das lideranças políticas tradicionais de centro no Brasil e mundo afora. Como o centro não se sustenta, segundo demonstram as pesquisas eleitorais, avança a possibilidade de um populista pouco comprometido com as reformas se sagrar vitorioso em outubro. Para os investidores, isso significa aumento de riscos econômicos — o que, no mercado brasileiro, normalmente se traduz em queda no preço das ações e alta do dólar.
Está aberta, portanto, a temporada de tensão pré-eleitoral. Nos próximos meses, os humores do mercado financeiro vão oscilar ao sabor dos ventos políticos. Foi assim em 2014, quando as ações das empresas brasileiras subiam no momento em que Dilma Rousseff perdia força nas pesquisas eleitorais, e vice-versa. Em 2002, a tensão bateu níveis recordes, com a apreensão trazida pela vitória de Lula. O país, naquele ano, precisou fechar um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a fim de deter a fuga de recursos para o exterior e conter a rápida subida do dólar. O Brasil, agora, tem maior capacidade de enfrentar os solavancos. As reservas internacionais em moeda forte superam 380 bilhões de dólares, recorde histórico, volume suficiente para pagar todas as obrigações internacionais do país. Por isso, é extremamente improvável que o Brasil bata à porta do FMI, como acabou de fazer a Argentina.
Ainda assim, a tensão pré-eleitoral pega o país em um momento delicado. O ritmo da retomada no crescimento econômico, que já vinha abaixo das expectativas, foi castigado pela recente paralisação dos caminhoneiros. O setor agropecuário, o mais dinâmico do país, foi o mais prejudicado. Um exemplo: sem o fornecimento de ração, milhões de frangos morreram, e seu preço no atacado subiu 40%. Serão necessários meses de trabalho para recuperar os prejuízos. Como consequência, as consultorias econômicas refizeram as contas e revisaram para baixo a estimativa de crescimento do PIB neste ano. Até março, de acordo com o levantamento semanal feito pelo Banco Central, a previsão era de um avanço quase robusto, próximo a 3%. Agora, a projeção caiu abaixo de 2% e muitos economistas tarimbados acreditam que não será surpresa se o avanço ficar próximo de 1%. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, reconheceu, na semana passada, que o governo deverá rever sua estimativa, atualmente em 2,5%. E os indicadores mais recentes de confiança dos empresários e consumidores constataram a piora nos ânimos.
Em um ambiente já desafiador, a corrida eleitoral traz ainda mais incertezas e especulações. Os candidatos do coração do mercado — Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e Rodrigo Maia — têm desempenho medíocre nas pesquisas, o que aumenta o receio de que um nome da esquerda vença o pleito em outubro. Nas últimas semanas, alguns analistas estrangeiros começaram a levantar a hipótese de o Brasil ser “a bola da vez”, ou seja, um candidato a enfrentar um ataque especulativo. Os emergentes com as finanças fragilizadas estão sentindo o impacto da valorização internacional do dólar. Dois casos emblemáticos foram a Argentina e a Turquia. Ambos apresentam grandes rombos em suas transações com o exterior e reservas internacionais relativamente baixas (veja o quadro ao lado). Assim, ficam expostos à fuga de capitais, em um ambiente de crise de confiança. As autoridades argentinas e turcas reagiram de maneira similar para defender sua moeda, com fortes altas nos juros. A taxa básica subiu para 40% ao ano na Argentina. Na Turquia, para 17,75%. Pegos de surpresa, os investidores internacionais começaram a conjecturar se o BC brasileiro poderia fazer algo parecido, aumentando os juros repentinamente para segurar o dólar.
Em 7 de junho, a moeda americana disparou para perto de 4 reais. “Foi um efeito manada, de pânico, inflado pela ação de especuladores que haviam apostado na alta do dólar”, comenta um consultor com anos de experiência no mercado financeiro. A tensão cedeu depois que o presidente do BC, Ilan Goldfajn, veio a público afirmar que não haverá aumentos repentinos nos juros. Disse ainda que o BC dispõe de munição para intervir no mercado cambial caso haja oscilações exageradas. “O Brasil está em uma situação completamente diferente da argentina”, diz o economista Evandro Buccini, da Rio Bravo Investimentos. “A inflação permanece controlada, abaixo da meta. Com a economia retraída, não há razões para o BC elevar os juros nos próximos meses.”
Apesar da turbulência recente, dos estragos na retomada econômica e dos números das pesquisas eleitorais, o mercado aposta num cenário otimista. Ou seja: a vitória de um candidato reformista, que tenha condições políticas de tocar em frente uma agenda capaz de transformar com profundidade a realidade brasileira. É um otimismo um tanto vago quando se examina o desempenho dos reformistas nas pesquisas eleitorais, mas talvez ele esteja apoiado em outro verso do irlandês Yeats: “Com certeza, alguma revelação é iminente. Com certeza, o Segundo Advento é iminente”.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2018, edição nº 2587