Já fazia alguns dias que Marcelo Rezende estava ofegante e com dores nas costas. Stress do trabalho frenético, pensava o apresentador da TV Record, que passava noventa minutos diários ao vivo à frente do programa policial Cidade Alerta. Em uma noite do início de maio, soou mais forte o sinal de que algo não corria bem. O ritual cotidiano de ir à adega particular, com 2 000 rótulos de vinho, sacar alguma garrafa dos nichos e servir-se de duas taças foi interrompido pelo paladar. O primeiro gole desceu mal pela garganta. Rezende ligou então para um amigo médico e agendou uma bateria de exames. O diagnóstico veio como sentença de morte: um avançado câncer no pâncreas, com metástase no fígado. A perspectiva era que a quimioterapia trouxesse sobrevida de até três anos, mas não cura. A primeira sessão no Hospital Israelita Albert Einstein foi penosa, pelos efeitos colaterais. E ele se recusou a ir às próximas.
O que aconteceu em seguida foi uma espiral de isolamento, apelos públicos de colegas para que voltasse ao centro médico e muitas especulações, até a morte do apresentador, no sábado 16, aos 65 anos. Por mais de quatro meses, ele se cercou de mistério sobre os tratamentos espirituais a que recorreu. Quanto mais fortes as críticas de amigos e familiares, mais se ilhava. Dizia que o pensamento negativo dissiparia as energias da recuperação.
Na busca natural por resposta na fé, Rezende chegou a encontrar-se com um bispo no Templo de Salomão, de Edir Macedo, dono da Record. Foi também com Geraldo Luís, colega de emissora, ao centro espiritual de João de Deus, em Goiás. Ali, ele lhe “revelou”: ele deveria se cuidar com o nutrólogo Lair Ribeiro, best-seller de livros de autoajuda nos anos 1990 e 2000. Por meio de sua assessoria de imprensa, o médium João de Deus, que nega o encontro, ressalta que não incentiva qualquer pessoa a abandonar seu tratamento.
Nos últimos tempos, Lair Ribeiro notabilizou-se na internet por propagar a dieta cetogênica (com restrição severa de carboidratos) como arma eficaz contra o câncer. “Todo paciente que fizer a dieta vai se beneficiar”, defende. Ribeiro é malvisto na comunidade médica. “O câncer de pâncreas metastático é agressivo e não há alimentação que possa melhorar ou piorar o prognóstico”, explica o cirurgião Ben-Hur Ferraz Neto. O perigo aparece quando se ignora o tratamento recomendado. Estudo da Universidade Yale com cânceres curáveis mostrou que pacientes em terapia alternativa têm 150% mais probabilidade de morrer.
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A VEJA, Ribeiro disse que se encontrou com Rezende uma única vez. “Falei só para ele reduzir carboidratos.” Os mais próximos, porém, informam que o contato era frequente. O jornalista passou semanas na cidade paulista de Ribeirão Preto, onde atua uma médica ligada ao método de Ribeiro. Ele relatava pagar 50 000 reais semanais pelas práticas, que envolviam cápsulas “importadas”. Nas últimas duas semanas, já em casa novamente, o doente definhava entre fortes dores e mantinha uma ambulância à porta, mas só voltou ao hospital cinco dias antes de morrer. “Quando Marcelo foi internado, Lair Ribeiro ficou uma hora com ele ao telefone, dizendo que a dor é o caminho da cura”, afirma um parente. A família está abalada por acreditar que a sobrevida seria maior e menos dolorosa com a quimioterapia. É claro que isso não exclui a fé. Rezende, aliás, tinha grande conforto com leituras sagradas. No domingo, durante o enterro do apresentador, em São Paulo, amigos puseram em seu caixão um exemplar da Bíblia. Ao lado do volume, a rolha do mítico vinho francês Château Petrus servido no velório aos íntimos em um brinde, como era o desejo do jornalista.
Com reportagem de Giulia Vidale
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549
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Em junho de 2016, o apresentador Marcelo Rezende esteve nos estúdios de VEJA e concedeu a seguinte entrevista ao jornalista Bruno Meier. “Danço com a vida antes que ela dance comigo”, declarou