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A máfia do porto

Com a prisão de amigos e ex-assessores do presidente Temer, a investigação sobre as propinas portuárias chega perigosamente perto do Palácio do Planalto

Por Daniel Pereira, Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h27 - Publicado em 30 mar 2018, 06h00

De nada adiantou a tentativa do governo de intimidar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, relator do inquérito que apura se empresas pagaram propina em troca de um decreto sobre portos assinado pelo presidente Michel Temer. Por decisão de Barroso, a Polícia Federal prendeu na quinta-feira 29 o advogado José Yunes e o coronel João Baptista Lima Filho, ambos velhos amigos de Temer e suspeitos de atuar como laranjas do presidente. A PF também prendeu Wagner Rossi, que presidiu a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) com aval de Temer, e o empresário Antonio Celso Grecco, dono da Rodrimar, empresa suspeita de distribuir propina a assessores presidenciais em retribuição à edição do decreto. Houve ainda ordem de prisão contra quatro acionistas do Grupo Libra, que já teve diversos de seus interesses na área de portos atendidos por aliados do presidente. O cerco judicial está se fechando, e a leva de prisões é um indicativo de que o presidente Temer pode enfrentar uma nova denúncia antes de disputar a reeleição.

Com influência notória na área de portos desde a década de 90, Temer nega a acusação de recebimento de propina e alega que o decreto dos portos não beneficiou a Rodrimar. Em linha com o Palácio do Planalto, a própria empresa diz que a medida não a favoreceu. “Quero saber os motivos da prisão. Tenho certeza de que, se isso não for tratado com sensacionalismo, não enfraquecerá o governo, porque o presidente Temer não tem nada a ver com isso. O decreto dos portos não beneficia a Rodrimar”, disse o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, o mesmo que ameaçou apresentar pedido de impeachment contra Barroso. VEJA teve acesso a uma mensagem do empresário Celso Grecco que desmente essas versões. Em e-mail enviado a funcionários e advogados da empresa em 16 de maio de 2017, seis dias depois da edição do texto sobre portos, Grecco comemora: “Consideramos que o novo decreto é valioso no que diz respeito à reivindicação de reequilíbrio econômico do Terminal Pérola”. A Rodrimar é uma das donas do Terminal Pérola, que apresentou um pedido de reequilíbrio contratual ao Ministério dos Transportes. O pleito está sob a avaliação da área técnica, segundo a assessoria da pasta, que disse ser impossível estimar, neste momento, quanto a empresa ganhará caso tenha sua demanda atendida.

No mesmo e-mail, Celso Grecco reforça o entendimento de que a Rodrimar se beneficiou do decreto: “As principais mudanças incluem a expansão dos termos do contrato e flexibilidade para ampliar os contratos existentes. Os parágrafos 2, 19 e 24 do novo decreto apoiam e fortalecem o objeto de reivindicação do Terminal Pérola na Secretaria de Portos e na Agência Nacional de Transportes Aquaviários”. Diante desse e-mail, cai por terra a versão pública da própria empresa de que não colheu nenhum proveito do decreto.

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A Sombra – O coronel Lima (acima), preso: mensagens e cifras milionárias atreladas a negócios no Porto de Santos (./.)

A Rodrimar é personagem central no inquérito dos portos. Um dos executivos da empresa tratou pessoalmente do teor do decreto com o então assessor da Presidência, Rodrigo Rocha Loures, que ficou famoso por correr pelas ruas de São Paulo puxando uma mala com 500 000 reais de propina paga pela JBS. Rocha Loures também conversou sobre o conteúdo do decreto com o próprio Temer por telefone. Em sua defesa, o presidente alega que a principal reivindicação da Rodrimar — que era prorrogar seus contratos portuários firmados antes de 1993 — não foi atendida pelo governo ao elaborar o decreto. Mas, apenas quinze dias depois da entrada em vigor das novas regras, a Rodrimar pediu ao ministério a prorrogação do contrato do Terminal Pérola, assinado antes de 1993. O pedido da empresa não foi atendido, como diz Temer, mas também não foi recusado e, de acordo com o Tribunal de Contas da União, o decreto dos portos de Temer abre brecha, sim, para que contratos anteriores a 1993 sejam efetivamente prorrogados.

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Amigos, amigos – José Yunes, ex-assessor do presidente, preso: intermediário entre Temer e empresários (Lailson Santos/VEJA)

Diz o relatório produzido pela área técnica do TCU: “Nada obstaria futuros alargamentos de vigência contratual via edição de atos unipessoais do chefe do Poder Executivo, o que acarretaria, na prática, a existência de contratos administrativos com prazo indeterminado, o que é vedado pela legislação”. O chefe do Poder Executivo, não custa lembrar, é o presidente Temer. “No mesmo raciocínio, também não haveria óbice para que as extensões de prazo fossem autorizadas aos arrendatários de terminais concedidos antes da Lei 8630/1993.” É isso que explica a comemoração de Celso Grecco em seu e-mail. Além do Terminal Pérola, a Rodrimar opera três outros terminais. A empresa já pediu a prorrogação dos contratos de dois deles, ambos firmados depois de 1993. Com base no decreto dos portos, 114 empresas solicitaram a “adaptação” contratual, mas, graças à intervenção do TCU, as decisões só serão tomadas depois de dissipadas as suspeitas de ilegalidades em torno do decreto de Temer.

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Campanha – Celina Torrealba, do Grupo Libra, presa: doações eleitorais para Temer e benefícios do governo (Rahel Patrasso/VEJA)

O Grupo Libra, por exemplo, quer a prorrogação de suas operações em Santos e no Rio de Janeiro. Quatro donos da empresa — Ana Carolina, Gonçalo, Celina e Rodrigo Torrealba — tiveram a prisão decretada. A sede do grupo foi alvo de busca e apreensão. Em reportagem publicada recentemente, VEJA revelou mensagens nas quais o coronel João Baptista Lima Filho ajuda Gonçalo Torrealba a marcar uma audiência na Secretaria de Portos. Suspeito de ser laranja de Temer, Lima informa o presidente de que a audiência solicitada por Torrealba fora agendada, como quem cumpre uma missão: “Transmiti o recado”. A troca de mensagens ocorreu em agosto de 2015. Na época, a Secretaria de Portos ainda não havia decidido sobre um pedido de prorrogação de contrato do Grupo Libra no Porto de Santos. Três semanas depois da intervenção do coronel, em 3 de setembro de 2015, a secretaria prorrogou os contratos do Libra por vinte anos, até 2035. A decisão foi assinada pelo então comandante da pasta, Edinho Araújo, indicado ao cargo por Temer. Até hoje, o Libra é a única empresa a ter seus contratos prorrogados mesmo sendo devedor da União. Sua dívida, discutida atualmente num processo de arbitragem, é de cerca de 2,8 bilhões de reais, segundo o próprio governo.

Antes da canetada de Edinho Araújo, outro aliado de Temer, Eduardo Cunha, então líder do PMDB na Câmara, foi decisivo para que o pleito do Grupo Libra começasse a andar. Em 2013, durante a tramitação da MP dos Portos, Cunha incluiu uma emenda que previa a prorrogação de contratos mesmo para empresas devedoras, desde que elas concordassem em discutir seus débitos em processos de arbitragem, ou seja, fora da Justiça. Foi o que o Libra fez e, assim, se tornou o primeiro e o único beneficiário da emenda Cunha. Na campanha de 2014, dois acionistas do Libra doaram 500 000 reais cada um à campanha de Temer. Para a PF, o valor pode ser uma contrapartida às vantagens obtidas na MP dos Portos. Trocando em miúdos: a doação pode ter sido uma propina lavada na forma de doação registrada na Justiça Eleitoral. Temer nega qualquer irregularidade na arrecadação de sua campanha, Cunha está preso desde 2016 e Edinho Araújo, hoje prefeito de São José do Rio Preto, prestou depoimento à Polícia Federal na última quinta-feira, cujo conteúdo não foi divulgado.

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Aliado – Wagner Rossi, ex-presidente da Codesp, preso: administrou o Porto de Santos de 1999 a 2000 (Celio Messias/Folhapress)

Diante das suspeitas da atuação criminosa do Grupo Libra e da Rodrimar no Porto de Santos, a PF resolveu desarquivar um inquérito sobre o mesmo assunto que contém planilhas e documentos juntados num processo de separação entre o economista Marcelo de Azeredo, ex-presidente da Codesp, administradora do Porto de Santos, e sua ex-companheira Érika Santos. O caso, publicado por VEJA em 2001, trouxe à tona um esquema de pagamento de “caixinhas” e “propinas” envolvendo os mesmos personagens enrolados na teia da Lava-Jato: Temer, o coronel Lima, a Rodrimar e o Grupo Libra. As empresas portuárias são acusadas de repassar dinheiro sujo para o presidente e seus amigos em troca de privilégios para operar os  terminais. A Polícia Federal deve ouvir Érika Santos e Marcelo de Azeredo nas próximas semanas. Eles são considerados testemunhas relevantes para elucidar aquilo que, suspeita, seja uma nova máfia, desta vez incrustada na área de portos. VEJA conversou com Érika Santos, em Paris — como se pode ver na reportagem a seguir.

Nota da Presidência da República

Na noite desta sexta-feira, 30, a Presidência da República enviou a seguinte nota:

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“O decreto dos portos, sob o qual está amparada a investigação sobre supostos benefícios à empresa Rodrimar, diz literalmente em seu Artigo 47-A, § 3º: ‘O disposto neste artigo não se aplica aos contratos firmados antes da vigência da Lei 8.830, de 25 de fevereiro de 1993’.

A mais rasa leitura do decreto teria enterrado, no ano passado, o pedido de abertura de tal investigação pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot. O fato é que a Rodrimar não se encaixa neste parágrafo, neste artigo, no todo do decreto ou na sua interpretação, por mais ampla que se queira, conforme despacho do Ministério dos Transportes: ‘Conclui-se que as disposições do decreto número 9048/17 não se aplicam aos contratos da empresa Rodrimar S/A’.

Tal decreto nasceu após criação de grupo de trabalho pelo Ministério dos Transportes que realizou amplo e público debate, em reuniões que ocorreram entre setembro de 2016 e maio de 2017. Todas as áreas da Rodrimar serão relicitadas.

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Sem ter fatos reais a investigar, autoridades tentam criar narrativas que gerem novas acusações. Buscam inquéritos arquivados duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal, baseados em documentos forjados e já renegados formalmente à justiça, e mais uma vez em entrevista à revista VEJA deste final de semana.

Tentam mais uma vez destruir a reputação do presidente Michel Temer. Usam métodos totalitários, com cerceamento dos direitos mais básicos para obter, forçadamente, testemunhos que possam ser usados em peças de acusação. Repetem o enredo de 2017, quando ofereceram os maiores benefícios aos irmãos Batista para criar falsa acusação que envolvesse o presidente. Não conseguiram e repetem a trama, que, no passado, pareceu tragédia, agora soa a farsa.

O atropelo dos fatos e da verdade busca retirar o presidente da vida pública, impedi-lo de continuar a prestar relevantes serviços ao país, como ele fez ao superar a mais forte recessão econômica da história brasileira. Bastou a simples menção a possível candidatura para que forças obscuras surgissem para tecer novas tramas sobre velhos enredos maledicentes. No Brasil do século XXI, alguns querem impedir candidatura. Busca-se impedir ao povo a livre escolha. Reinterpreta-se a Constituição, as leis e os decretos ao sabor do momento. Vê-se crimes em atos de absoluto respeito às leis e total obediência aos princípios democráticos”.

Publicado em VEJA de 4 de abril de 2018, edição nº 2576

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