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A procura

O corpo que se perdeu na Guerrilha do Araguaia

Por José Paulo Cavalcanti Filho
Atualizado em 30 jul 2020, 19h02 - Publicado em 3 abr 2020, 13h00
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  • Tereza queria enterrar seu filho. Mesmo sem saber onde estava o corpo, que se perdeu na Guerrilha do Araguaia. Sua vida passou a ser somente essa procura. Para piorar, começou a ter dores. Fez exames. O médico então lhe mostrou um raio-x, contra a luz fluorescente desses aparelhos que estão em todos os consultórios. E explicou: “Dona Tereza, infelizmente a metástase já tomou conta de tudo. A senhora tem, no máximo, dois meses de vida”. Assim, sem rodeios, como fazem os médicos americanos. Ela respondeu: “Morro não, doutor. Antes preciso enterrar meu filho”. A conversa não fazia sentido, para o médico.  “A senhora me desculpe, acabei de mostrar seu câncer”. “Morro não. Pode ficar tranquilo”. E foi embora.

    Quase cinco anos depois, ligou alguém do Governo. Encontraram ossada que, por local onde estava e características físicas, deveria ser Mário. Fizeram DNA. Tereza rezou para que os exames confirmassem aquilo que o coração já sabia. Encontrara seu filho!, Deus é pai. Mais longos dias de certidões e assinatura de papéis, após o que o corpo lhe foi entregue. Num caixão fechado. O velório acabou sendo quase uma festa. Diferente dos outros, nesse ninguém chorava. Era como se todos estivessem, de alguma forma, aliviados. Contentes, até. Pelo abandono daquele penar continuado. É melhor o fim de um espanto do que um espanto sem fim. Companheiros do passado foram lá se despedir. E Tereza realizou, afinal, seu derradeiro e definitivo sonho.

    Antes que os pedreiros começassem aquele trabalho de fechar o túmulo, tijolo por tijolo, Tereza pediu a palavra e fez um pequeno discurso. Disse que estava feliz. E parecia estar mesmo, verdade seja dita. Agradeceu a todos por terem ido ao cemitério. Ali estava seu filho – e apontou, com o dedo, o lugar em que o caixão fora depositado. À direita – de novo apontou, agora para um espaço vazio –, ficaria ela própria. Em pouco tempo estariam juntos, os dois. Para sempre. Naquela noite, depois de muitos anos, Tereza dormiu verdadeiramente em paz. E nunca mais acordou.

    P.S.: Esse texto, em memória torta ao Golpe de 1964, é uma história real. Está em livro que escrevi, Só Mente a Verdade (Record, Porto Editora). E virou filme, The Search, que concorreu no Festival de Berlim/20. A coluna é dedicada a todas as mães que, em qualquer momento da história, choraram por seus filhos.

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    José Paulo Cavalcanti Filho.

    jp@jpc.com.br   

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