Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Esse era um ataque, aquele do Santos do fim dos anos 50 e início dos 60, que soava como poesia e ainda hoje é declamado por quem gosta de futebol. Na segunda-feira 11, o verso se quebrou, com a morte de Antônio Wilson Vieira Honório, o Coutinho, aos 75 anos, de infarto fulminante. Foi o primeiro do quinteto a morrer. O apelido surgiu na infância — era o “Cotinho”, um jeito brincalhão de referir-se ao atleta de pequena estatura. No Santos, ele virou um gigante. Substituiu um nome venerado — Pagão, o craque predileto das lembranças de Chico Buarque. De 1958 a 1970, fez 368 gols em 457 jogos. Ajudou o alvinegro a ganhar duas Libertadores, dois Mundiais e uma penca de títulos no Brasil. Nelson Rodrigues, quando o viu em campo pela primeira vez, em 1959, não teve dúvida do que descobrira: “O sujeito que se chama apenas Coutinho dá logo a ideia de pai de família, de Aldeia Campista, Vila Isabel, Engenho Novo, com oito filhos nas costas e a simpatia pungente de um barnabé. Pois bem. Apesar de chamar-se liricamente Coutinho, o meu personagem da semana é um monstro, um Drácula, um ‘Vampiro da Noite’ do futebol”.
Era fácil, mas também um desafio, ser um gênio da camisa 9 ao lado do 10 eterno. Com algum ressentimento, mas boa dose de humor, chegou a comentar com Pepe sua lendária tabelinha com o Rei: “Todo gol bonito era dele e toda jogada errada era minha”. Pelé também errava e Coutinho fazia gols de Pelé. Ele só não foi maior, internacionalmente, porque teve atuação discreta na seleção brasileira. Integrou a equipe bicampeã de 1962, mas, contundido, não jogou. Pouco importa. Foi grande porque fez parte daquele ataque. Experimente pôr “Dorval” no Google e logo virá, em preenchimento automático,… Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.
O SINÔNIMO DE CARTOLA
Poucas figuras da história do futebol brasileiro foram tão decisivas na construção de um personagem, o cartola, como o dirigente vascaíno Eurico Miranda. Boquirroto, falastrão, ele foi sempre muito malcriado com jornalistas, correto com os torcedores e adorável com os jogadores (Romário o tinha como um dos únicos amigos que fez no esporte). No clube cruz-maltino, numa carreira que começou como conselheiro, passou pela diretoria e chegou à presidência, viu o céu e o inferno. Foi campeão brasileiro, em 1997, e da Libertadores, em 1998. Mas era presidente quando o clube caiu para a série B do Campeonato Brasileiro, em 2015. Nunca fez questão de esconder a personalidade forte. Aos repórteres que o encostavam na parede com perguntas bem fundamentadas, ele soltava a indagação que virou bordão: “Quem falou?”. Como deputado federal, participou decisivamente do desfecho da CPI do Futebol, em 2001, na qual conseguiu livrar de punições o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira. Morreu na terça-feira 12, de câncer no cérebro, aos 74 anos, no Rio.
Publicado em VEJA de 20 de março de 2019, edição nº 2626