A tecnologia ilumina o campo
Graças ao investimento em pesquisa e às inovações de startups, produtores brasileiros festejam uma nova safra de resultados superlativos
Os brasileiros chegam ao fim do ano com uma sensação de alívio pela retomada da economia. O mercado de trabalho voltou a produzir empregos, o comércio e a indústria voltaram a crescer, e a inflação está controlada. A retomada, no entanto, não teria sido possível sem a contribuição fundamental de um setor que, ano após ano, mostra a face de um Brasil que prospera e dá certo: o agronegócio. A cada 100 reais gerados de riqueza no país neste ano, 23,5 reais terão saído do campo. É a participação mais alta desse setor no produto interno bruto (PIB) em treze anos, segundo estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Os números são superlativos, como de costume. O país celebrou a melhor safra de sua história. Foram colhidos cerca de 240 milhões de toneladas, um aumento de 30% em relação ao ano anterior. Os dois principais alimentos cultivados e exportados no país registraram resultados expressivos: a produção de soja subiu 20%, e a de milho, 55%.
O salto na colheita só foi possível graças aos investimentos realizados no campo — e à colaboração do clima, é claro, com chuvas na hora certa e em volume adequado nas principais regiões produtoras. O fenômeno da digitalização da economia também chegou às lavouras, com notáveis ganhos de eficiência. Há inúmeros casos de sucesso, alguns deles com DNA 100% brasileiro. Cada propriedade rural hoje tem o potencial de funcionar como uma unidade independente de pesquisa em que milhares de dados são coletados em tempo real, por meio de sensores instalados no campo, e analisados por algoritmos, o que resulta em recomendações personalizadas. Em Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, um produtor de café (que não quis se identificar para não chamar a atenção da concorrência) já utilizava um método tradicional de irrigação na lavoura quando decidiu apostar em uma nova tecnologia que prometia uma eficiência ainda maior. Logo no primeiro mês, verificou uma economia de 24% no consumo de água e energia em relação ao que gastava antes. A propriedade se valeu de um sistema de irrigação desenvolvido pela Agrosmart, uma startup brasileira fundada pela empreendedora Mariana Vasconcelos. Filha de produtores no sul de Minas Gerais, Mariana, 26 anos, desenvolveu um sistema com sensores que monitoram mais de dez variáveis ambientais, de solo e microclima de cada área de um terreno mesmo quando não há conexão com a internet. Os dados são analisados por algoritmos, com o uso de inteligência artificial e machine learning (o aprendizado automático dos computadores). O modelo chamou a atenção da agência espacial americana, a Nasa, que propôs à Agrosmart um acordo de compartilhamento de tecnologia. Hoje a empresa cobre mais de 80 000 hectares em nove estados brasileiros, além de prestar serviços nos Estados Unidos e em países da América Latina.
Não são apenas as startups que aderiram ao big data. A americana Monsanto desenvolveu uma plataforma que também monitora as variáveis da lavoura, por meio de sensores instalados nas máquinas agrícolas. São inúmeras as aplicações. O produtor de soja Fernando Orlando, por exemplo, era obrigado a realizar até 300 paradas em suas máquinas no período de plantio nos arredores de Montividiu, no estado de Goiás, por causa de mau funcionamento das engrenagens — por exemplo, devido ao acúmulo de palha. A plataforma permitiu a ele identificar as principais falhas e fazer os ajustes necessários. Fernando conseguiu diminuir o número de paradas em 75%, acelerando o plantio e reduzindo os gastos de manutenção e com combustível. Os dados tornam possível montar um mapa virtual de acompanhamento da produtividade da lavoura, acessível em smartphones ou tablets: dessa forma, o produtor identifica as áreas em que a soja, o milho ou qualquer outra cultura está crescendo menos, detecta as razões e corrige o problema ainda durante a safra. Se a culpa for de alguma praga, ele poderá aplicar defensivos agrícolas apenas na área afetada, em vez de fazer isso na lavoura inteira, como era costume. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), grande responsável pelo avanço da agricultura no cerrado, continua a contribuir decisivamente para o incremento do setor agrícola, com um portfólio de mais de 1 100 projetos em desenvolvimento, muitos em parceria com a iniciativa privada. Um dos casos mais recentes de sucesso, fruto de pesquisas da unidade da Embrapa em São Carlos, no interior paulista, são os óculos com uma lente especial que aumentou de 50% para até 90% a precisão na detecção do greening, que é uma das doenças mais comuns na cultura de laranja. “Temos hoje 2 500 pesquisadores com os mais variados perfis, de engenheiros agrícolas e zootecnistas a engenheiros da computação e bioquímicos”, diz Celso Moretti, chefe da área de pesquisa. Outra novidade, desenvolvida por meio de um processo longo e gradual de melhoramento genético, é o trigo tropical, adaptado às particularidades do clima brasileiro. A tropicalização de culturas remonta aos primórdios da Embrapa, mais de quatro décadas atrás. Desde então, o país deixou de ser um importador de alimentos para se transformar em uma das potências do mundo na produção agrícola.
Outro campo de inovações das agritechs (empresas de tecnologia agrícola) é o controle biológico, o uso de insetos para combater pragas. A engenharia natural não afeta a fauna local e permite que produtores diminuam seus custos com agrotóxicos até pela metade. Uma das líderes em pesquisas nessa área é a startup BUG Agentes Biológicos, fundada pelo paulista Diogo Carvalho e listada no ranking das empresas mais inovadoras de 2012 da revista americana Fast Company. A companhia produz ovos de espécies nativas de insetos que combatem pragas em lavouras de soja, milho, cana, algodão e feijão. A BUG libera esses ovos nas plantações, por meio de drones ou aviões, e os insetos que dali saem parasitam os ovos das pragas, fazendo com que elas desapareçam ao longo de todo o ciclo de crescimento das plantas. “Com o tempo, as pragas ganham resistência aos pesticidas”, explica Diogo Carvalho, da BUG. O uso repetitivo de agrotóxicos pode também diminuir a capacidade de produção da lavoura, pois as plantas gastam energia para metabolizar tais substâncias.
Apesar do susto provocado pelas ameaças de embargo de importadores depois da Operação Carne Fraca, o setor de pecuária também obteve resultados positivos neste ano. O total vendido ao exterior deverá crescer 5% em relação a 2016. A investigação expôs as falhas na fiscalização, mas os criadores fazem o seu papel para aumentar a produtividade. Uma inovação promissora para os pecuaristas saiu dos centros de pesquisa da multinacional alemã Bosch. Trata-se de um sistema digital para acompanhar o peso do gado. Os testes foram feitos em parceria com a Fazenda Santa Fé, em Goiás, com capacidade de acolher mais de 100 000 bois por ano. Cada animal ganha um brinco, e sensores foram instalados no caminho do cocho de alimentos e de água. Quando o boi pisa na plataforma, as informações são captadas. O pecuarista Pedro Merola, dono da Santa Fé, recebe uma análise completa nos computadores da fazenda e acompanha a engorda do rebanho individualmente. Com isso, pode verificar se um animal não está ganhando peso adequadamente. “A ferramenta fornece informações a cada três horas. Consigo rapidamente identificar animais doentes e saber com precisão a época ideal do abate, o que evita custos desnecessários com a engorda. Antigamente, fazíamos toda a gestão ‘no olho’ ”, afirma. Segundo Merola, o sistema permitiu um aumento nos lucros de até 20%.
Todos esses avanços, no entanto, não encobrem os prejuízos causados pelos gargalos logísticos. São repetitivas as cenas de filas de caminhões em portos antiquados e estradas em péssimas condições. Os gargalos têm sido removidos a passos de cágado. Ainda assim, as perspectivas para o agronegócio são animadoras. A inovação no campo é um processo sem volta e continuará rendendo frutos ao país.
Com reportagem de Bianca Alvarenga
Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2017, edição nº 2561