Acabou a lua de mel
A Argentina vive nova crise cambial e pede socorro ao FMI, o que ameaça a recuperação econômica e põe fim à trégua do mercado com o governo de Macri
Dramático como um tango, o pedido de socorro da Argentina ao Fundo Monetário Internacional (FMI), anunciado na semana da maior crise cambial no país desde 2001, joga dúvidas sobre seu futuro e põe em xeque um plano que vinha sendo bem-sucedido para retomar o crescimento. A eleição de Mauricio Macri para presidente, há dois anos e meio, sinalizou para o mundo uma reversão de expectativas. Saíam de cena as políticas populistas de Cristina Kirchner, como o controle de preços, a concessão farta de subsídios e o isolamento comercial. Em seu lugar, entrava Macri, um político de centro-direita, que prometeu cortar privilégios, acabar com o controle de preços e reabrir a Argentina para o mundo. A estratégia era correta, mas sua execução demorou demais. O sucesso da missão dependia da redução dos gastos do governo, do controle sustentável da inflação e da abertura das portas do país ao mercado de capitais externo. O principal desafio era aprovar as medidas de aperto no Congresso, cuja maioria ainda é kirchnerista. Macri optou então por uma reforma gradual — e esse foi seu erro. As metas de inflação, por exemplo, previam o retorno da normalidade só em 2019.
Tudo caminhou bem enquanto o cenário externo esteve benigno, com o mundo desenvolvido e, em especial, os Estados Unidos mantendo os juros próximos de zero, o que significou sobra de recursos de investidores para mercados emergentes como a Argentina e o Brasil. Mas, como sempre se soube, esse período de calmaria tinha os dias contados. A economia americana voltou a crescer com vigor (o desemprego é o mais baixo desde 2000) e a atividade começou a pressionar os preços. Tal situação fez o Federal Reserve, o banco central americano, elevar os juros básicos, que servem de referência para o rendimento dos títulos do Tesouro americano, considerados a aplicação mais segura do mundo. Resultado: iniciou-se uma fuga de capitais de países emergentes, a começar por aqueles com a economia mais fragilizada. Nesse quesito, a Argentina é a campeã. Somente neste ano, o peso já perdeu 20% do valor em relação ao dólar, levando as cotações para níveis não vistos desde a crise de 2001.
Diante da disparada da moeda americana, Macri promoveu um aumento brutal dos juros básicos, que saltaram de 27% para 40%, com o objetivo de tornar os investimentos no país mais atraentes. É, hoje, a maior taxa de juros do planeta. Além disso, o governo se comprometeu a buscar um ajuste fiscal mais agressivo: a meta para o déficit fiscal passou de 3,2% para 2,7% do PIB. A preocupação com o câmbio tem razão de ser. O endividamento da Argentina em moeda estrangeira é alto: estima-se que 70% do total de empréstimos do país esteja indexado à moeda americana. Subir os juros, no entanto, significa aumentar o custo do crédito para consumidores e empresas, sacrificando o crescimento econômico. Antes do aumento dos juros, o governo tentou estabilizar o câmbio com a venda de parte das reservas do país em moeda estrangeira. Não deu certo. Foram gastos cerca de 5 bilhões de dólares, o que derrubou o saldo das reservas para 55 bilhões de dólares, valor insuficiente para saldar os compromissos até o fim de 2018. Nessa pindaíba, restou a Macri formalizar o pedido de socorro ao FMI. O pleito é de 30 bilhões de dólares, que serão usados só em caso de necessidade. É um sinal inequívoco do fracasso das medidas adotadas para lidar com a crise cambial. Como contrapartida, o FMI deve exigir cortes adicionais e o controle dos gastos públicos, incluindo um aperto em salários e benefícios dos servidores.
A promessa de arrocho pode reabrir uma ferida histórica. Em 2001, a Argentina anunciou um calote na dívida externa. Na ocasião, as tentativas de negociar um socorro com o FMI foram frustradas. O país só voltou a ter acesso a crédito no exterior com Macri. Os gastos descontrolados do governo, no entanto, fizeram o país se endividar rapidamente. Além disso, economistas dizem que Macri cometeu erros na condução da economia. O governo não cumpriu as metas de inflação em 2017, e, ainda assim, resolveu reduzir os juros no início deste ano. “Foi uma tentativa desastrada de reanimar a economia antes de pôr a inflação nos eixos”, diz Marcos Casarin, economista-chefe para a América Latina da consultoria Oxford Economics. A alta dos preços, antes estimada em 17% para 2018, deve superar os 20%.
Embora a Argentina seja o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, os analistas afirmam que o risco de contágio é limitado. O Brasil tem um nível confortável de reservas, inflação controlada e juros mais baixos. Mas o real também está sofrendo com a alta dos juros americanos. O dólar chegou a 3,60 reais na semana passada, a maior cotação em dois anos, o que pode pressionar a inflação. O governo Temer, por ora, minimiza os riscos, mas o drama do país vizinho é um eterno lembrete sobre a importância de estar com a economia fortalecida para prevenir crises.
Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582