Ao começar a ser implantado em 2002, o sistema de cotas prometia ser um impulso vital na direção do fim da desigualdade entre negros e brancos no ensino superior brasileiro. Graças às cotas, de fato, o número de negros universitários praticamente quadruplicou. Naquele ano, do total de jovens pretos e pardos entre 18 e 24 anos no Brasil, apenas 3,8% estavam nas universidades. Passados quinze anos, a proporção subiu para 14% — o que é uma excelente notícia. Uma pesquisa inédita mostra, no entanto, que, apesar desse avanço louvável, a desigualdade racial no ensino superior praticamente não se alterou — na verdade, ela até cresceu.
Estudo do Instituto IDados, do Rio de Janeiro, baseado em números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), informa que, em 1992, do total de jovens negros apenas 1,5% estava matriculado em universidades, enquanto os brancos eram 7,3% — uma diferença de 5,8 pontos porcentuais. Em 2017, os negros alcançaram os citados 14%, mas a proporção de brancos disparou para 27% — ou 13 pontos de diferença. A explicação está no crescente papel no ensino superior brasileiro das universidades privadas, que não cabem no bolso da população pobre (no Brasil, quase sinônimo de negra). As cotas são obrigatórias nas instituições públicas e todas (menos a Universidade Estadual do Paraná) aderiram ao sistema.
Desde a implantação das cotas, as matrículas nas escolas federais e estaduais — de negros e brancos — dobraram. Nas privadas, triplicaram. É nelas, hoje, que estão três de cada quatro universitários. “A maior parte desse aumento de matrículas veio de financiamentos públicos, e quem se beneficia deles é a população branca”, diz a pesquisadora Talita Mereb, do IDados. Isso explica por que a diferença se tornou ainda maior. Assim, a ideia de que a proporção de negros e brancos nas universidades seja igual à da população em geral acabou ficando mais distante.
Por mais que as cotas tenham aumentado o número de negros no ensino superior, elas continuam sendo, e sempre serão, uma ferramenta paliativa — selecionam os melhores e deixam de fora a enorme massa de negros que nem passa das fases iniciais do aprendizado. “É mais eficaz e barato corrigir as distorções no acesso ao ensino, na primeira infância, quando o cérebro da criança está sendo formado. Tudo o que acontecer nos dois primeiros anos de vida de um ser humano tende a se perpetuar ao longo de sua vida”, diz João Batista de Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto. Enquanto o ensino básico público não tiver qualidade, negros e pobres continuarão a perder a corrida para a universidade.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2018, edição nº 2587