Promoção do Ano: VEJA por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Atolado no caminho

Os efeitos danosos causados ao setor por décadas de megalomania, falta de planejamento e relações espúrias entre o Estado e empreiteiras 

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h49 - Publicado em 3 ago 2018, 07h00

Obras monumentais de infraestrutura foram, entre as décadas de 60 e 70, a mais vistosa vitrine de propaganda da ditadura militar. Afinal, elas soavam como autênticos modelos de vigor, determinação, poder. A Ponte Rio-Niterói, cuja construção teve início em 1969, era a segunda maior do mundo quando foi aberta ao tráfego, em 1974. A Rodovia Rio-Santos, tema de capa da edição de VEJA datada de 10 de novembro de 1972 — três anos antes de sua inauguração —, serviu igualmente aos propósitos do regime. Durante os anos 1970, sob o chamado “milagre econômico”, o Brasil aplicou cerca de 5,5% do PIB em energia, transporte e telecomunicações (hoje, o índice não chega a um terço disso). Esses investimentos atenderam às necessidades de crescimento e industrialização acelerada, mas a falta de transparência e a forte censura impossibilitaram que se soubesse ao certo o custo da megalomania da ditadura. Sem democracia, sem oposição para impor limites e sem necessidade de prestar contas a ninguém, os militares podiam tudo — até quebrar o país, que acabaria atolado em uma dívida externa, também ela monumental (cresceu trinta vezes durante o regime).

Remonta àquele período o projeto da Transamazônica, a rodovia de 8 000 quilômetros serpenteados selva adentro. A estrada foi idealizada em um delírio de grandeza do general-presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), que governou o país entre 1969 e 1974. Ela seguia o plano de integração nacional formulado pelos militares, o que certamente não era má ideia, mas ficaria inacabada. Hoje estão em operação 4 200 quilômetros. Outra peça-chave de propaganda da ditadura, a hidrelétrica de Itaipu se tornaria marco da crise profunda que o modelo irresponsável de investimentos legaria ao Brasil. De acordo com estimativas atuais, o total de recursos captados para realizar o projeto, cuja construção se prolongou de 1975 a 1982, incluindo as rolagens financeiras, alcançou 27 bilhões de dólares. Apesar de a usina gerar cerca de 20% de toda a energia consumida no país, especialistas ainda divergem sobre quando Itaipu “se pagará”.

O modelo em que todo investimento era liderado pelo Estado funcionou enquanto houve empréstimo farto e barato. No entanto, assim que os juros internacionais começaram a subir, na segunda metade da década de 70, as finanças nacionais entraram em colapso. Para piorar, ocorreram os choques no preço do petróleo. A ressaca chegaria na forma dolorosa de hiperinflação, urbanização caótica e desigualdade social.

arte_atolado_no_caminho
1972, 2001, 2009 – A cobertura da revista em três momentos: a febre das obras faraônicas, o caos na energia e a tentativa de retomar o crescimento (./.)

Com a redemocratização, em 1985, o governo aumentou os gastos sociais para tentar enfrentar a herança maldita do regime militar, reduzindo a desigualdade — o que, mais tarde, acabaria resultando em um crescente déficit público. Os recursos disponíveis para aplicar na infraestrutura caíram e o sucateamento do setor só seria revertido, em parte, com as privatizações dos anos 1990. Não ajudou em nada nesse quadro a sucessão de escândalos que tomariam de assalto a infraestrutura brasileira. Nesse sentido, a concorrência fraudulenta para a construção da Ferrovia Norte-Sul, um contrato que envolvia 1 600 quilômetros de obras, é paradigmática. “A demonstração de que houve fraude numa concorrência de 2,4 bilhões de dólares abriu uma ferida no coração do governo José Sarney”, assinalou a edição de VEJA de 20 de maio de 1987. A disputa acabaria cancelada, e a ferrovia, que deveria ter ficado pronta 1 077 dias depois de iniciada, não foi finalizada. O escândalo, já no período democrático, escancararia as relações espúrias que os empreiteiros mantinham, havia tempo, com o Estado, mas que a censura à imprensa imposta pela ditadura impedira de vir a público.

Continua após a publicidade

Outro problema do setor foi a falta de planejamento, como ficou claro na crise energética de 2001, que levou o governo a decretar um plano de racionamento. Dois anos antes, como que lançando um alerta sobre o que estava por vir, um blecaute deixou dez estados e o Distrito Federal às escuras por quatro horas. Em 1968, o economista Roberto Campos já havia criticado a fragilidade do sistema nacional de geração de energia baseado em hidrelétricas, que tornava o Brasil dependente do volume das chuvas. O apagão de 2001 deveria ter deixado lições. Aparentemente não deixou. Em 2015, uma forte estiagem secou represas no Sudeste, disparando um novo alarme. “Em um país cuja matriz energética é essencialmente hídrica (…), faltar água é o atalho para apagar a luz”, registrou VEJA.

A fim de reviver o “milagre econômico” e de fazer com que o governo exercesse um papel mais ativo na infraestrutura, o então presidente Lula criou em 2007 o Programa de Aceleração do Crescimento, cuja meta era sanar as deficiências históricas do setor. No PAC, o governo propunha sociedade à iniciativa privada — e ditava as regras. As empreitadas, além de servir para azeitar a corrupção, tiveram resultado aquém das promessas. As edições I e II do PAC apresentaram obras grandiosas, como a transposição do Rio São Francisco, porém um estudo da consultoria Inter.B revelou que menos de 20% dos empreendimentos foram entregues de acordo com o previsto. Muitos não tiveram cálculo de orçamento nem de prazo. Resultado: projetos com atraso e custos na Lua, tanto em razão da incompetência como da corrupção. O setor de infraestrutura acabou virando pano de fundo para a crônica policial da Lava-Jato. Alguns protagonistas da reedição da megalomania militar estão atrás das grades. Isso, entretanto, não resolve o problema. A infraestrutura nacional continua tentando sair do atoleiro, como se poderá ver na reportagem seguinte.

Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

2 meses por 8,00
(equivalente a 4,00/mês)

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.