Atraso total
Em crise e com prejuízos bilionários, os Correios aplicam um tarifaço a serviços de entrega e atingem pequenos empresários e clientes do comércio eletrônico
Os Correios são uma das instituições mais antigas do Brasil. Sua fundação, em 1663, precede à da Casa da Moeda e do Banco do Brasil. Além de longeva, a estatal figurava como uma das entidades mais confiáveis do país. Nos últimos anos, contudo, o sucateamento de sua estrutura e os desmandos na administração fizeram com que essa credibilidade desmoronasse. A empresa, além do mais, custa a se adaptar a um mundo no qual as cartas perderam relevância e o seu negócio primordial passou a ser a entrega de mercadorias. O prejuízo acumulado desde 2013 bateu em 6 bilhões de reais. Como o governo é o seu controlador, cabe ao Tesouro cobrir o buraco. Os Correios tentam se adaptar, como outras estatais, vagarosamente. Parte da conta recai sobre o bolso dos consumidores. No mês passado, a empresa atualizou a tabela de cobrança para a entrega de encomendas. Os aumentos vão de 8% a 51% para itens enviados a regiões distantes das capitais. O tarifaço atinge principalmente os milhares de pequenos comerciantes que vivem de vender produtos pela internet e dependem dos Correios para que as mercadorias cheguem aos clientes.
O empresário Raul do Prado, dono das Lojas Mineiras, já calcula os prejuízos. Ele vende a cada ano 25 000 itens por meio de sua loja virtual, especializada em aparelhos de telecomunicações. Seu produto número 1 é uma antena capaz de ampliar o sinal das torres de telefonia celular. A maior parte de sua clientela vive em regiões isoladas. Antes do reajuste, despachar um produto de São Paulo para Itapipoca, no interior do Ceará, custava 42 reais. Agora, a entrega sairá por 60 reais — um aumento de mais de 40%. Um frete mais caro significa menos chance de o cliente fechar o negócio.
“O custo adicional será sentido sobretudo pelos moradores das regiões mais distantes, justamente aqueles que vivem em áreas onde há uma menor oferta de mercadorias no comércio local”, afirma Leandro Soares, diretor do setor de envios do Mercado Livre, site usado por 10 milhões de vendedores na América Latina, metade deles no Brasil. Segundo a empresa, o reajuste médio das tarifas de entrega, levando em consideração o histórico das transações feitas em seu site, ficará em 29%. O Mercado Livre estima que despachar no Brasil um pacote de 500 gramas para uma distância de 500 quilômetros fique 42% mais caro do que na Argentina, 160% acima do valor cobrado no México e 282% superior à tarifa praticada na Colômbia. A Dafiti, o maior grupo de comércio eletrônico de moda da América do Sul, chegou a números semelhantes. “O aumento vai ser repassado ao preço do produto, o que vai gerar uma queda direta nas vendas”, aponta Thibaud Lecuyer, vice-presidente de logística da empresa. Em nota, os Correios alegam que o reajuste do frete segue as condições legais, e que o aumento médio será de apenas 8%. Os comerciantes discordam.
Os Correios detêm o monopólio da distribuição de correspondências, mas não de encomendas. O problema é que a logística que interliga os mais de 8 milhões de quilômetros quadrados de extensão territorial brasileira é precária. As companhias privadas não dispõem de estrutura de distribuição, o que torna inviável o frete para regiões distantes. “Apenas 500 cidades são atendidas por outro tipo de serviço de transporte além dos Correios. Restam, portanto, 5 000 que são dependentes da estatal”, diz Pedro Guasti, conselheiro da Ebit, empresa que acompanha os dados do comércio eletrônico. A cada 100 compras feitas pela internet, quarenta são entregues pelos carteiros. Os grandes varejistas criaram estruturas próprias de distribuição ou firmaram parcerias com companhias privadas. Os pequenos vendedores, porém, não dispõem da mesma flexibilidade.
Casos de extravio de encomenda e de descumprimento de prazo de entrega são frequentes entre os clientes que dependem do serviço estatal. A Ebit estima que os comerciantes deixem de faturar 5 milhões de reais por dia por causa desses problemas. A insatisfação é crescente. Em 2015, 24% dos consumidores consideravam a remessa dos Correios péssima ou ruim. Agora são 44%. “A estrutura da estatal é mais preparada para entrega de correspondências, não de encomendas. Os Correios ficaram parados no tempo”, diz André Luís Duarte, professor do Insper.
Não se pode esquecer das mazelas causadas pela rapinagem dos políticos. O escândalo do mensalão eclodiu a partir de um caso nos Correios. O Postalis, fundo de pensão da estatal, fez investimentos em empresas quebradas e em negócios fajutos a mando de seu ex-presidente. As perdas, estimadas em 6 bilhões de reais, serão compensadas nas próximas duas décadas por contribuições cobradas dos funcionários. Nos últimos meses, os Correios vêm tentando se ajustar. Um dos pontos é rever a generosa assistência de saúde para os 106 000 funcionários. O custeio do plano, que atende mais de 400 000 pessoas (além dos dependentes, podem fazer parte os pais dos empregados), responde por 80% do prejuízo acumulado pela companhia nos últimos anos.
O governo reconhece que a situação dos Correios é grave e vê na privatização a saída natural para dar sobrevida à empresa. Pode ser um caminho, como foi feito por outros países. Bem administrada, a companhia poderia reviver os seus dias de glória. Afinal, existem milhões de pessoas nas localidades mais remotas do país para as quais os carteiros ainda representam um dos principais elos com o resto do planeta.
Com reportagem de Flávio Ismerim
Publicado em VEJA de 21 de março de 2018, edição nº 2574