Bebês importados
Cresce o número de mulheres e casais inférteis que recorrem a amostras de sêmen dos Estados Unidos. Motivo: o acesso a informações que identificam o doador
“O pai do meu bebê será um militar de pele clara, cabelos castanhos e olhos verdes. Terá voz grossa e tranquila. Gostará de artes e animais. Não fumará nem beberá.” Essas foram as características desejadas — e encontradas! — pela empresária paulista Rita de Cássia Loubeira, de 42 anos, no doador de sêmen para engravidar por inseminação artificial. Ela queria uma pessoa que a fizesse lembrar-se do avô, morto há três anos. O desejo só foi realizado porque a fonte foi um banco americano de sêmen. No Brasil, qualquer referência que possa facilitar a identificação do doador é vetada pelo Conselho Federal de Medicina. Por causa dessa proibição, o número de importações de sêmen aumentou 120% nos últimos três anos, de acordo com levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
1 – SOB MEDIDA
Os bancos de sêmen americanos oferecem centenas de informações sobre a aparência física e as preferências do doador, coisa que não acontece no Brasil. No caso que se vê aqui, o doador é um engenheiro de ascendência asiática, tem olhos castanhos, pele clara, cabelos lisos e pretos, 69 quilos e 1,67 metro de altura.
2 – SUTILEZA
Nos Estados Unidos, há também informações sobre o comportamento do doador. Ao lado de uma foto da infância, descobre-se, no exemplo acima, que o doador é um “cavalheiro, com boa conversa, que adora seus dois filhos, passa bastante tempo com sua família e tem um sorriso com covinhas”.
Os cardápios americanos, chamemos assim, permitem o acesso a mais de uma centena de informações do doador. A maioria delas está incluída nos 6 000 reais pagos, em média, pelo material — o dobro do preço do sêmen nacional, comprado no escuro. Além da descrição da aparência física, os dados americanos vão desde o nome das escolas em que se formou o doador, profissão, hobbies, religião e signo até uma foto de quando ele era criança. Com 79 reais extras, tem-se em mãos um teste de personalidade. Com 122 reais, ouve-se o áudio de uma entrevista com o doador sobre sua rotina. Com 214 reais, examina-se um álbum completo de fotos. “Conhecer o doador com tal profundidade está longe de ser algo fútil, mas é um fator que dá extrema segurança psicológica aos pais da futura criança”, diz o embriologista José Roberto Alegretti, diretor científico do Fairfax Cryobank, o maior banco de sêmen americano, com representante no Brasil. Não há, evidentemente, nenhuma garantia de herança genética.
Conduzido com base na análise de 1 100 amostras, o estudo da Anvisa revelou as características físicas do doador mais procuradas pelas mulheres brasileiras nos bancos de sêmen americanos. Eis o perfil campeão: olhos azuis, cabelos castanhos e ascendência caucasiana. Os bancos ainda oferecem a possibilidade de o filho gerado, ao completar 18 anos, entrar em contato com o doador, outra opção vetada pela legislação brasileira. A oferta abundante de amostras nos EUA também estimula a procura pelo material importado, pois aumenta a possibilidade de a mulher encontrar um doador compatível com o idealizado. Cada banco americano tem, em geral, dez vezes mais doadores que um banco brasileiro.
“É preciso ser altruísta para se tornar um doador de sêmen no Brasil”, diz Edson Borges, diretor da Clínica Fertility, em São Paulo. Nos Estados Unidos, o homem recebe cerca de 200 reais por amostra oferecida à venda. No Brasil, é proibida a remuneração. Os bancos de sêmen brasileiros também não aceitam doador com mais de uma parceira, por este ser um comportamento de risco para a saúde, fato que elimina cerca de um terço dos candidatos — nos Estados Unidos não há controle em torno da postura sexual na maioria dos bancos. A razão é puramente comercial. Grande parte dos homens americanos que doam o material são jovens universitários em busca do pagamento oferecido pelos bancos de sêmen como complemento de renda.
A importação de sêmen segue regras claras. Após a escolha do doador, feita por meio do menu de informações virtuais (veja o quadro), parte-se para o trâmite burocrático, controlado pelas clínicas de fertilização, sob o severo acompanhamento da Anvisa. O material chega após um mês. Poucas horas depois já pode ser feita a fertilização do óvulo que vai formar o embrião a ser implantado no ventre da mãe.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº 2550