Corrida para o atraso
A prefeitura de São Paulo atende aos apelos dos taxistas e cria obstáculos aos aplicativos de transporte. A conta vai sobrar para os passageiros
Desde a semana passada, São Paulo corre o risco de perder um título mundial: o de cidade com o maior número diário de corridas da Uber. A ameaça vem das novas regras postas em vigor pela prefeitura paulistana. No pacote há medidas saudáveis, como a exigência de aulas de noções básicas de direção defensiva para os motoristas e a inspeção anual do veículo. Mas há outras que vão resultar na limitação dos serviços de transporte por aplicativos. As duas maiores empresas do setor em operação na cidade, a americana Uber e a brasileira 99, que acaba de ser adquirida pela chinesa Didi Chuxing, preveem queda na oferta de carros e, possivelmente, aumento das tarifas.
A medida mais restritiva diz respeito à idade dos veículos. Aqueles que já trafegavam nas ruas terão de ter, no máximo, sete anos de uso. Para os demais, o limite será de cinco anos. Poderia ser uma iniciativa bem-intencionada para melhorar a frota, mas causou estranheza por duas razões. Primeiro, porque os táxis convencionais podem ter até dez anos de utilização. Segundo, porque, entre as novas regras, a prefeitura incluiu a exigência de vistoria anual — o que, em tese, torna desnecessário o controle de idade do veículo, uma vez que a inspeção vai dizer se ele está em condições de rodar. Há outra restrição que vai na contramão do que se verifica nas grandes cidades do mundo: o estímulo ao transporte compartilhado. Em vez disso, pelas novas normas, os motoristas de aplicativos de transporte só terão permissão para circular em São Paulo se seus automóveis forem emplacados na capital — do contrário, poderão até entrar na cidade para trazer passageiros de fora, mas terão de voltar ao município de origem vazios.
“As medidas dificultam o serviço para um sistema que funcionava com eficiência e vão impor custos aos usuários e motoristas”, avalia o economista Paulo Furquim de Azevedo, professor do Insper. Por que então tais exigências? O secretário municipal de Mobilidade e Transportes, Sergio Avelleda, diz que o objetivo das medidas é proporcionar mais segurança aos passageiros e ampliar a receita de impostos sobre carros, tendo em vista o maior número de veículos que serão emplacados na cidade. Tudo indica, no entanto, que a prefeitura também cedeu à pressão dos taxistas e dos donos de frotas. Em São Paulo, existem 36 600 táxis.
As empresas de aplicativos acreditam que as regras vão reduzir a oferta de automóveis sobretudo na periferia da capital, onde circulam modelos mais antigos. Até 50 000 motoristas poderão ficar impedidos de trabalhar, ou um terço do total. A reviravolta paulistana surpreendeu ainda porque já havia uma regulamentação, aprovada em 2016. As normas funcionaram bem, e o número de carros e de usuários cresceu tão rapidamente que tornou a cidade uma referência mundial. A inovação ajudou a retirar veículos das ruas. É um novo comportamento que atrai especialmente os mais jovens. Uma pesquisa da consultoria Deloitte dá a dimensão do fenômeno. Das pessoas nascidas a partir da década de 80, só 15% nunca utilizaram um aplicativo de transporte no Brasil.
Entretanto, se a pressão dos taxistas e dos sindicatos ligados a eles prevalecer, todo o país poderá ter regras restritivas como as de São Paulo. Porto Alegre também exigiu o emplacamento na cidade. Em Campinas, motoristas de aplicativos precisam da autorização da prefeitura para trabalhar. Um projeto de lei sobre o assunto tramita no Congresso. O Brasil não costuma perder uma oportunidade de correr para o atraso.
Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2018, edição nº 2565