Do encanto à decepção
A cena do reencontro foi cinematográfica: em 11 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela saiu da cadeia, onde passara 27 anos, de mãos dadas com a mulher, Winnie Mandela, ambos de punho erguido e aclamados por uma multidão. Eram os estertores do regime do apartheid na África do Sul, e o casal, que havia se unido em 1958, tido duas filhas e passado apenas cinco anos junto, voltava a viver sob o mesmo teto: ele, herói da luta antissegregação; ela, sua companheira e o principal canal de contato com o mundo exterior, suportando bravamente prisões, torturas, perseguição, privação e banimento — sem perder a garra e o espírito de luta. Mandela nunca deixou de brilhar. Winnie, sim: naquele momento de glória, já tinha a biografia empanada por seguidas mostras de infidelidade, por gestos de arrogância e ostentação e, pior, por pesadas acusações de homicídio e corrupção. Pelo resto da vida, a “mãe da nação”, como era chamada no auge do prestígio, se equilibraria entre a fama de mulher guerreira e carismática, preservada sobretudo entre os mais pobres, e a prestação de contas à Justiça por diversas denúncias de desvio de dinheiro e cumplicidade em oito assassinatos políticos.
Mandela anunciou a separação em 1992 e divorciou-se dela quatro anos depois — no processo, alegou que Winnie tinha um caso com outro homem e nunca, desde sua libertação, “entrou em meu quarto enquanto eu estava acordado”. Ele se casaria outra vez, com a moçambicana Graça Machel, mas Winnie jamais abdicou da posição de mulher de Mandela, tanto na vida pessoal quanto na política. No enterro dele, em 2013, postou-se ao lado do caixão, toda de preto, como viúva inconsolável. Winnie Mandela morreu na segunda-feira 2, aos 81 anos, segundo a família “depois de uma longa enfermidade”, em Soweto, o simbólico bairro de Joanesburgo, onde vivia. Será enterrada com honras oficiais no dia 14.
A maior rival da malária
Ruth Nussenzweig teve uma vida exemplar de dedicação à ciência. Entregou-se ao combate a uma doença que mata cerca de 400 000 pessoas todos os anos: a malária. Nascida em Viena, na Áustria, chegou ao Brasil em 1939, aos 11 anos, com os pais, que fugiam do nazismo e dos ataques aos judeus na Europa. Com 18 anos, nos bancos do curso de medicina da USP, conheceu Victor Nussenzweig, um comunista de carteirinha que foi convencido por Ruth a investir todo o conhecimento na saúde pública, e não em consultórios particulares. Formaram um belo par. Entre 1958 e 1960 o casal viveu em Paris, onde ela fez pós-doutorado, e, em seguida, nos Estados Unidos, trabalhando na New York University. Eles retornaram ao Brasil em 1965, mas, com medo da ditadura militar, tomaram o caminho de volta para o exílio. Ruth publicou um pioneiro artigo sobre malária, em 1967, no qual demonstrou como impedir em ratos o ciclo do protozoário causador da doença. Ao lado de Victor, desvendou em 1980 o elemento que neutralizava a malária: uma alteração nos ovos do mosquito. As descobertas levaram à criação da vacina RTS,S, em testes na África. Ela e o marido foram sempre cotados para o Nobel. Ruth morreu no domingo 1º, aos 89 anos, de embolia pulmonar, em Nova York. Victor tem 89 anos.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2018, edição nº 2577