Para uma companhia que se acostumou a operar no olho do furacão nos últimos anos, por causa de seu uso político e do esquema de corrupção revelado pela Lava-Jato, a Petrobras atravessa um momento atípico de calmaria. Pode-se dizer até que os ventos começaram a soprar a favor. A empresa obteve um lucro de 7 bilhões de reais no primeiro trimestre, seu melhor resultado em cinco anos. Mais importante, ela tem conseguido reduzir de forma consistente sua dívida monumental, que chegou a ameaçar sua sobrevivência. De volta ao azul no balanço, a estatal anunciou que retomará a distribuição de dividendos aos acionistas. Na esteira da recuperação, a Petrobras superou a Ambev como a empresa brasileira mais valiosa na bolsa, depois de quase quatro anos privada desse status. Em 2018, suas ações acumulam valorização de 70%, o que lhe concede um valor de mercado superior a 380 bilhões de reais (houve uma alta de quase 100 bilhões desde o fim de março). Para completar o cenário quase ideal, a cotação do barril do petróleo do tipo Brent está em trajetória de alta e superou os 80 dólares, o maior valor em três anos e meio.
Tantas notícias positivas não são obra do acaso. São fruto, na verdade, de um plano estratégico posto em prática há pelo menos dois anos, desde que o executivo Pedro Parente assumiu a presidência da petrolífera com o respaldo do governo Temer para adotar as políticas necessárias de recuperação. Naquele momento, a Petrobras era uma empresa com a maior dívida corporativa do mundo, de 500 bilhões de reais, tinha um caixa apertado para investir, estava sangrando com as perdas bilionárias causadas pela corrupção — e, portanto, vivia sendo renegada por investidores (veja o quadro na pág. ao lado).
Uma das mudanças mais importantes foi a liberdade dada pelo então novo governo para que a companhia pudesse reajustar os preços de derivados do petróleo, como a gasolina e o óleo diesel, em linha com as variações da cotação internacional da matéria-prima. Outro pilar é o plano de venda de ativos, que atende a dois propósitos: fazer caixa para reduzir a dívida e permitir que a petrolífera concentre seus esforços nas áreas e nos projetos mais relevantes. Ela colocou à venda redes de gasodutos, fábricas de fertilizantes e se desfez de blocos de petróleo nos quais não teria como investir (a alta recente da matéria-prima favorece esse plano, uma vez que valoriza os ativos relacionados à exploração).
A megalomania e o populismo do PT no poder fizeram com que a Petrobras abraçasse projetos bilionários que não se sustentavam, como a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e outros que não tinham relação com sua área de especialização. Sob a direção de Parente, o plano de investimentos sofreu um choque de realidade: passou de 45 bilhões de dólares, em 2013, para 15 bilhões de dólares, atualmente. A nova gestão também pôs em execução um plano agressivo de diminuição de despesas administrativas e gastos com pessoal, por meio de programas de demissão voluntária e da redução de projetos. O número de funcionários próprios caiu de 81 000 para 69 000 trabalhadores do fim de 2014 até dezembro de 2016 — os dados do ano passado ainda não foram divulgados. O corte foi maior com os terceirizados: quase 50% nesse período, de 231 000 para 118 000 pessoas.
Na mesma direção saneadora, uma importante medida acaba de ser anunciada: o plano de vender uma participação societária em quatro refinarias, duas na Região Sul e duas no Nordeste. É uma atividade na qual a companhia é praticamente monopolista. O tema é um dos tabus remanescentes na indústria de petróleo e gás, e uma das razões para isso está na forte presença — e oposição — de sindicatos. Para a Petrobras, esse domínio poderia ser uma vantagem, mas serve como armadilha. No governo de Dilma Rousseff, o controle do preço da gasolina e do óleo diesel causou uma perda de 55 bilhões de dólares em cinco anos. A empresa não tinha autorização do governo, seu sócio majoritário, para repassar o custo maior com o encarecimento do petróleo. Segundo especialistas, a abertura do mercado de refino para grupos privados tornaria mais difícil o congelamento do preço de combustíveis pelo governo. Por duas razões: porque reduziria o alcance da medida e exporia a intervenção federal à contestação, junto aos órgãos de defesa de concorrência, por parte das empresas prejudicadas.
A guinada radical na condução dos negócios tem o objetivo de recuperar a saúde financeira e operacional da Petrobras, substituindo políticas populistas. Apesar dos números eloquentes, ainda há muita oposição às mudanças: ela vem de segmentos compreensivelmente resistentes, como é o caso de sindicatos que se acostumaram com os tempos de farta distribuição de benesses, e de políticos interessados no loteamento de cargos na estatal e em suas subsidiárias. Há resistência, por fim, de procuradores e juízes que questionam, em geral, a venda de ativos pela estatal, muitas vezes ultrapassando suas atribuições.
A melhora dos resultados da Petrobras e a valorização expressiva de suas ações são um sinal de que o trabalho dos últimos dois anos está na direção certa. Mas analistas e a própria direção reconhecem que a petrolífera ainda está longe de ser considerada uma empresa saudável. Um dos principais objetivos é reduzir a dívida até que ela corresponda a dois anos e meio da geração de caixa, patamar considerado sustentável pelas métricas de mercado. O aumento expressivo da dívida fez a estatal perder o chamado grau de investimento em 2015, o que se traduziu em custos maiores de captação e de tomada de empréstimos. Recuperar essa nota será importante para reduzir as despesas com o pagamento de juros da dívida e direcionar um volume maior de recursos para investimentos.
Além disso, há outras ameaças. “O grande risco é político, ainda mais em ano de eleição. As estratégias que fizeram a Petrobras se recuperar têm um custo político elevado, em particular a de alinhamento dos preços dos derivados com os do mercado internacional”, diz Edmar Almeida, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele faz referência à escalada do preço da gasolina e do óleo diesel nos postos nos últimos meses. Para Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura, outro risco é que a melhora dos resultados da Petrobras interfira no respaldo dado pelo governo à direção da empresa. Por fim, uma eventual reversão da valorização do petróleo pode dificultar os planos de venda de ativos e os investimentos para aumento da produção. Não faltam, portanto, obstáculos para a volta da estatal à normalidade.
Publicado em VEJA de 23 de maio de 2018, edição nº 2583