No fim dos anos 1960, o Brasil atingiu a simbólica marca de 2 milhões de automóveis produzidos. Àquela altura, as montadoras empregavam 61 000 trabalhadores e havia outros 150 000 nas fábricas de autopeças. A vocação para abraçar o carro como o principal meio de locomoção e transporte ia se consolidando. Eram os sinais de que a industrialização, finalmente, ganhava força no país, com um atraso brutal em relação à Europa e aos Estados Unidos. Só depois da II Guerra o setor industrial superou a agricultura como a mais importante atividade econômica brasileira, algo que ocorrera décadas antes nas nações avançadas. No pós-guerra, a industrialização no Brasil foi feita sob a política de substituição de importações, com o aumento da produção interna, incrementada por Getúlio Vargas, seguida no governo de Juscelino Kubitschek e aprofundada pelos militares.
A fabricação de automóveis em larga escala passou a ser um termômetro do dinamismo econômico nacional. Assim, o avanço do setor foi tema de uma reportagem de capa de VEJA em sua edição de 16 de abril de 1969. Nela, um diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) exibia uma franqueza rara nos dias atuais: “O carro está caro, mas todo mundo está comprando, então ele vai continuar caro”. Os impostos — sempre eles —, a produção ainda limitada e o custo da matéria-prima eram fatores apontados como responsáveis pelo preço elevado. Isso não impedia o aumento acelerado da fabricação de veículos.
O automóvel era, ao mesmo tempo, objeto de desejo de uma classe média em ascensão, no embalo do “milagre econômico”, e um produto que sintetizava a cadeia industrial proeminente daquele período. Por trás do carro havia os fornecedores de peças, as fábricas de aço e borracha, a indústria do combustível, as construtoras de rodovias. A expansão da sociedade de consumo impulsionava ainda as fábricas de eletrodomésticos, móveis e alimentos. Em última instância, tudo isso era consequência de um Brasil que deixava o campo para viver nas cidades e inchar as metrópoles.
Também na linha de substituição de importações, a chamada indústria de base — a siderurgia, a petroquímica — continuou sob a guarda do governo durante a ditadura, dando sequência ao legado de Vargas. Com o apoio dos militares, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Usiminas e a Cosipa fizeram o país sair da condição de importador de aço para se tornar autossuficiente na sua produção. Contudo, o maior entre os gigantes estatais era a Petrobras. Com uma reportagem intitulada “A conquista da eficiência’’, a principal companhia brasileira estampou a capa de VEJA na edição de 9 de fevereiro de 1972. Isso porque a petrolífera, sempre sujeita à ingerência política, exibia naquele momento resultados animadores. Exemplo: a refinaria Replan, então a maior do Brasil, situada em Paulínia (SP), ficara pronta em 28 meses, um prazo semelhante ao observado em países desenvolvidos.
A política industrial voltada para a substituição de importações foi eficaz por algum tempo. Houve expansão do mercado interno, no embalo da migração dos trabalhadores do campo para a cidade. Em seu auge, o ano de 1985, a indústria chegou a ser responsável por 25% do produto interno bruto (PIB) brasileiro. No entanto, a partir dali esbarrou em seus limites. O país sofreu as consequências da crise do petróleo e do endividamento externo; diante disso, o avanço do mercado doméstico não foi mais suficiente para manter a indústria em ascensão. A saída seria buscar o mercado externo, como fizeram os asiáticos, mas o Brasil optou por se fechar e se isolar — e a indústria nacional, com poucas exceções, deixou de ser competitiva. Hoje sobrevive com a ajuda de barreiras protecionistas e subsídios, e sua participação no PIB fica em torno de 18%.
De qualquer modo, não se pode deixar de considerar que alguns empreendedores se destacaram por sua disposição de enfrentar de igual para igual os competidores internacionais. O símbolo máximo desse perfil empresarial foi o trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, que acabaria por formar a maior companhia de cervejas do planeta. O salto inicial foi a compra da Brahma. Com um modelo de gestão voltado para a meritocracia e a busca obsessiva da eficiência operacional, os três resgataram a cervejaria carioca e armaram o plano para a surpreendente fusão com a rival Antarctica, concretizada em 1999. “O Brasil na era das empresas gigantes”, disse VEJA na capa de 7 de julho daquele ano, que contava o significado do nascimento da Ambev.
São raras, entretanto, as histórias de triunfo nacional no exterior — e, nesse aspecto, a Embraer é o exemplo mais cintilante. Criada pelos militares em 1969, a companhia foi privatizada em 1994 e decolou para a liderança no mercado de jatos comerciais de capacidade média, para até 120 passageiros. Agora ela está prestes a formar uma parceria com a Boeing, potência americana, para enfrentar a concorrência da Airbus, gigante europeu. Por vias tortas, a Embraer foi um caso modelar de sucesso das ambições estatistas do regime militar —muito mais bem-sucedida, por exemplo, do que a malfadada lei de reserva de mercado para a indústria de informática, que, xenófoba ao extremo, criava barreiras aos fabricantes internacionais e à compra de computadores pessoais estrangeiros.
O fracasso da política de substituição de importações deu margem às privatizações e à tímida abertura ao exterior registradas nas duas últimas décadas, as quais contribuíram para diminuir um pouco o atraso nacional. A indústria brasileira, porém, continua a esbarrar em severos obstáculos para se modernizar, como mostra a reportagem a seguir.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2018, edição nº 2600