O ex-presidente Lula criou um novo modelo de prisão no Brasil — ao menos para ele. Num país em que presidiários se amontoam em celas superlotadas, o petista é hóspede, há dois meses, em uma sala-cela preparada sob medida. O espaço de 15 metros quadrados, improvisado na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, tem cama, mesa, televisão de plasma, chuveiro com água quente (o que é considerado uma regalia no sistema carcerário nacional) e até uma esteira ergométrica para o petista manter a forma física. Faltou um frigobar, que Lula chegou a pedir, mas a Justiça achou que aí já era demais. A negativa não impediu novos pleitos fora de qualquer padrão penitenciário. A defesa do petista solicitou, na última segunda-feira 4, autorização para transformar a cela em um estúdio: quer que, de lá, ele possa gravar vídeos para a sua “campanha eleitoral”.
Lula foi condenado a doze anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro, está inelegível pela Lei da Ficha Limpa e responde a outras seis ações penais. Na quinta-feira 7, o site de VEJA revelou por que a Justiça manteve o bloqueio de bens do ex-presidente, alvo de uma investigação fiscal. Ele recebia doações para seu instituto, que era isento de pagamento de impostos, e usava o dinheiro em benefício próprio — viagens particulares, eventos políticos e locação de aviões e carros. A Receita Federal aplicou uma multa de 15 milhões de reais ao ex-presidente, que ainda pode responder a um processo criminal por sonegação. Mesmo assim, o PT pretende continuar invocando o espectro do seu maior líder.
Depondo por videoconferência como testemunha do ex-governador Sérgio Cabral, o petista apareceu pela primeira vez desde que foi preso. De terno e gravata, fez piada e convidou o juiz Marcelo Bretas para participar de um de seus comícios. A “candidatura presidencial de Lula” é mais um ato da encenação que começou desde que o PT e o ex-presidente foram ceifados pela Operação Lava-Jato. O senador Lindbergh Farias, líder do partido no Senado, recentemente verbalizou o plano: “Temos de esticar a permanência de Lula ao máximo”. No cenário considerado natural pelos petistas, trabalha-se com o veto definitivo da Justiça somente em setembro, quando um plano B seria apresentado pela legenda. Até lá, Lula, que é líder nas pesquisas e, para alguns, ainda um poderoso cabo eleitoral, potencializaria a campanha de deputados, senadores e governadores e ajudaria a evitar uma reprise do fracasso do partido nas eleições municipais de 2016.
Enquanto o PT planeja a campanha imaginária de Lula, o restante da esquerda já traça um plano de sobrevivência sem ele. Esse primeiro movimento foi dado por Manuela D’Ávila, pré-candidata pelo PCdoB, que avalia a possibilidade de abandonar a disputa para apoiar o pedetista Ciro Gomes. O gesto foi explicado por Cid Gomes, irmão do presidenciável e um de seus principais articuladores: “Nós temos absoluta convicção de que o PT terá um candidato à Presidência. Mas todo mundo sabe, inclusive o PT, que não será o Lula”. Também como parte da encenação, o PT lançou na última quarta-feira a plataforma de arrecadação de doações à campanha do ex-presidente. O slogan é “Ajude o Brasil a ser feliz de novo”. De início, pouco mais de 900 voluntários toparam participar da empreitada.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2018, edição nº 2586