Golpe nas mentiras
O Facebook tira do ar centenas de páginas ligadas ao MBL, grupo de direita que espalha fake news, mas os critérios seguem pouco transparentes
Às vésperas da eleição presidencial no Brasil, era de esperar que o Facebook se tornasse um campo de batalha político. Desde a quarta-feira 25, porém, ele passou de cenário a protagonista do debate. A empresa de Mark Zuckerberg anunciou ter excluído 196 páginas e 87 perfis no Brasil por concluir que eles formavam um conjunto criado com o propósito de “gerar divisão e espalhar desinformação”. Em outras palavras: fake news. O expurgo atingiu em cheio o Movimento Brasil Livre, grupo de direita que ganhou projeção na campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff e, depois, se transformou em máquina de marketing político que já flertou com o ex-prefeito tucano João Doria, o presidenciável Jair Bolsonaro e, mais recentemente, Flávio Rocha, ex-futuro candidato à Presidência.
Com 2,7 milhões de seguidores, o MBL notabilizou-se também pela prática sistemática de disseminar notícias falsas com o propósito de prejudicar adversários. Um dos exemplos mais barulhentos foi a tentativa de espalhar a versão de que Marielle Franco, a vereadora assassinada no Rio, tinha ligações com traficantes de drogas. Por essas e outras, na prática, o Facebook ceifou as páginas do MBL da rede, embora não diga isso claramente.
Em seu comunicado, a rede social anunciou que removeu páginas porque elas formavam uma rede “que se ocultava com o uso de contas falsas e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo” — ou seja, a alegação fundamental se referia a contas com identidade falsa, algo nada incomum na rede, mas proibido pelas suas políticas internas. A explicação clara — a de que tirou da rede uma central de mentiras — colocaria o Facebook em terreno pantanoso, no qual a plataforma se atribuiria o papel de tribunal da verdade e ainda se tornaria vulnerável a ameaças jurídicas. Ao assumir-se como “curador da verdade”, o Facebook ficaria sujeito a penalidades toda vez que uma notícia não verdadeira viesse a público por seu intermédio — o que também não é nada incomum.
Ao fim e ao cabo, porém, e ainda que de maneira enviesada, o Facebook tem e utiliza a capacidade de “filtrar” fake news. Uma regra implantada em maio determina que se releguem ao pé da linha do tempo do usuário (ou seja, que percam visibilidade) todas as notícias que as agências de checagem parceiras da empresa apontarem como falsas. O problema é que a rede tem lançado mão desse recurso pautada por critérios pouco objetivos e pouco transparentes. O fato de que quase todas as páginas removidas são ligadas à direita, por exemplo, ofereceu ao MBL munição para posar de vítima. “O único norte que temos para tentar deduzir uma motivação é que todas as páginas que foram derrubadas são liberais, conservadoras e de direita”, disse Kim Kataguiri, cofundador do grupo. Não é bem assim. Há pouco, o Facebook tratou como fake news notícia divulgada pelo site Brasil 247, associado à esquerda. Pior: a notícia — de que o papa Francisco mandara um terço de presente a Lula — não era exatamente falsa, e o Facebook voltou atrás. Diante disso, pode-se dizer que a plataforma persegue sites de esquerda?
Examinando os expurgos do Facebook nos Estados Unidos, México e França, constata-se que as páginas tiradas do ar são, de fato, quase sempre de direita. Mas é uma enormidade afirmar que isso decorre de “perseguição ideológica” da plataforma. Foi a direita, e não a esquerda, que adotou como política preferencial a difusão massiva de fake news, prática que alcançou seu nirvana na eleição americana de 2016. A esquerda tem muitos pecados, mas a mentira digital em escala planetária não tem sido seu forte.
Desde a eleição americana, o Facebook está sob pressão mundial para implantar mecanismos de controle. Agora, acaba de sofrer outro golpe, mas de natureza diversa. Na quarta-feira 26, enfrentou uma queda estratosférica de 20% no seu valor de mercado, perdendo 123 bilhões de dólares do dia para a noite. O tombo resultou da reação dos investidores à divulgação da notícia de que o Facebook perdera 3 milhões de usuários da Europa em seis meses e estacionara em sua trajetória até então ascendente na América do Norte. Se o MBL divulgar que a queda decorreu da censura às suas páginas, que o leitor não se engane: será mais uma fake news.
Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2018, edição nº 2593