Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

História cultural das fake news

As notícias falsas sempre existiram, mas jamais foram tão velozes

Por José Francisco Botelho
Atualizado em 4 jun 2024, 16h32 - Publicado em 23 mar 2018, 06h00

“O rumor é a mais veloz das pragas malignas”, escreveu Virgílio, no Livro IV da Eneida. “Horrendo monstro de pés rápidos, desconhece o sono, rasga a noite e aterroriza cidades inteiras com sua mistura indiferente de mentiras e verdades.” Não precisamos recorrer à mitologia para constatar que a propagação de notícias falsas é um costume tão antigo quanto a palavra escrita — e talvez coetâneo de toda comunicação humana. Platão, na República, apregoou a disseminação de “nobres falsidades” como necessário cimento social para sua utopia de déspotas filosóficos. Em 1522, o grande e desbocado poeta Pietro Aretino tentou tumultuar as eleições papais publicando infâmias imaginárias — e devidamente metrificadas — sobre os candidatos; na Inglaterra e na França do século XVIII, caluniadores profissionais distribuíam misturas bem dosadas de notícias reais com ficções comprometedoras, em temíveis panfletos que vindicavam desavenças pessoais ou inimizades políticas. Ou seja: as fake news — expressão vaga, que adoto com relutância — não surgiram com as redes sociais. Por outro lado, um breve lance de olhos ao cotidiano virtual é suficiente para demonstrar que as novas tecnologias alteraram a forma (ou a rapidez) com que essa antiga praga nasce, apodrece e germina.

“O que é a verdade?”, indagou Pilatos a Jesus Cristo; mas não teremos espaço para responder ao legado da Judeia. Fiquemos, então, com o seguinte truísmo: com todas as ferramentas de pesquisa hoje disponíveis, é relativamente fácil, mesmo ao mais distraído consumidor de rumores, detectar informações suspeitas ou infundadas. Ainda assim, a mentira — ou sua irmã mais perniciosa, a meia-verdade — tende a prosperar. Em março, a revista Science divulgou uma pesquisa assustadora sobre a propagação de notícias inexatas na internet. Após analisar 3 milhões de compartilhamentos no Twitter entre 2006 e 2017, um grupo de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts concluiu que informações adulteradas têm probabilidade de disseminação 70% maior que as notícias simplesmente factuais. A acreditarmos na pesquisa, basta que uma notícia seja falsa para que tenha mais possibilidade de triunfo. É como se o “horrendo monstro de pés ligeiros” fosse uma sereia cuja sedução aumenta conforme o tom do falsete.

Os mesmos mecanismos que permitem a multiplicação quase instantânea da falsidade podem servir para desbancá-la e desmascará-­la, com idêntica rapidez — mas isso não resolve o problema, pois quem hoje é paladino da verdade pode ser o propagador de notícias falsas da semana que vem. Para derrotar o monstro, é preciso admitir que ele existe — e que está no meio de nós. Não somos inocentes; todos gostamos, às vezes, de uma pitada confortável de imprecisão, de uma cálida meia-verdade que nos afague as crenças. Dessa volúpia inata à espécie, só nos salva o ascetismo mental: resistir à rumorosa sereia é lutar contra a própria natureza humana. Uma luta sem quartel — e que, por definição, não acabará jamais.

Publicado em VEJA de 28 de março de 2018, edição nº 2575

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.