Muita faísca, pouca luz
A sobretaxa imposta a aço e alumínio anunciada por Trump para afagar seu eleitorado ameaça desencadear uma guerra comercial em que todos sairiam perdendo
“Esse alívio vai ajudar os trabalhadores de siderúrgicas, comunidades que dependem do aço, e a indústria vai se ajustar sem prejuízo à nossa economia.” Assim o presidente americano George W. Bush defendeu e justificou, em março de 2002, a decisão de impor tarifas de até 30% ao aço importado. A realidade, no entanto, mostrou-se outra: houve queda no fornecimento das matérias-primas, o que atrasou a produção. Os custos subiram, e a conta ficou com o consumidor americano. O emprego não melhorou. Diversos países contestaram a alta das tarifas na Organização Mundial do Comércio (OMC), que, em novembro de 2003, deu o veredicto de que a medida violou as regras internacionais. A entidade autorizou esses países a aplicar retaliações comerciais, como a cobrança de sobretaxas para produtos americanos, no valor somado superior a 2 bilhões de dólares. Bush filho acabou recuando e eliminou as tarifas sobre o aço em dezembro daquele ano.
Se o passado serve como lição, ela foi triunfalmente ignorada pelo sucessor republicano de Bush na Casa Branca. Donald Trump anunciou no início do mês uma tarifa de importação de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio e recebeu uma enxurrada de críticas. Em tese, a medida valeria para todos os países, mas Canadá e México serão excluídos. Sobretaxas dessa magnitude praticamente inviabilizam a entrada do aço e do alumínio estrangeiros, que ficam caros demais para as indústrias que utilizam esses dois insumos. O presidente americano invocou uma lei dos tempos da Guerra Fria, de 1962, que, em nome da defesa da segurança nacional, autoriza a medida dispensando o aval do Congresso. “Quando um país está perdendo bilhões de dólares no comércio com virtualmente todos os países com os quais faz negócios, guerras comerciais são boas e fáceis de vencer”, disse.
A decisão rachou sua equipe de governo. O seu principal conselheiro econômico, Gary Cohn, ex-presidente do banco Goldman Sachs e defensor do livre-comércio, decidiu deixar o cargo. Até republicanos que costumam ficar ao seu lado, como o presidente da Câmara, Paul Ryan, demonstraram contrariedade: “Nós estamos extremamente preocupados com as consequências de uma guerra comercial e estamos urgindo com a Casa Branca para não seguir adiante com esse plano”, disse o deputado. Ele fez referência ao principal temor dos republicanos: alguns países afetados pela sobretaxa imposta ao aço e ao alumínio já anunciaram que vão retaliar e cobrar tarifas extras sobre produtos americanos. A União Europeia disse que a reação será “rápida, firme e proporcional”. Citou três ícones da cultura e dos negócios americanos como alvos potenciais: as motocicletas da Harley-Davidson, as marcas de uísque bourbon e os jeans da Levi’s.
Sempre que se vê acuado por dificuldades políticas, Trump solta uma medida de grande impacto para cevar a sua base eleitoral. A decadente indústria do aço americano se concentra na região do rust belt (cinturão da ferrugem), área que foi determinante para a sua vitória eleitoral. Antes de isentar Canadá e México, Trump havia ameaçado os parceiros comerciais do Nafta, o acordo de livre-comércio da América do Norte. “O Nafta tem sido um mau negócio para os EUA. As tarifas sobre o aço e o alumínio só não vão ser cobradas (dos dois países) se um novo e justo acordo for assinado”, disse. O Canadá é o principal fornecedor de aço para os Estados Unidos; o México, o terceiro maior. O Brasil é o quarto, considerando os valores em dólares, e o segundo maior em toneladas. Um terço das exportações brasileiras de aço no ano passado, que totalizaram 8 bilhões de dólares, teve o mercado americano como destino. Os Estados Unidos são, de longe, os maiores compradores do produto brasileiro. Investidores se desfizeram de ações de siderúrgicas na bolsa brasileira: as da CSN caíram 11% em cinco dias; as da Usiminas, 7%. Por outro lado, a avaliação é que a Gerdau sai ganhando, uma vez que tem usinas importantes no território americano, que respondem por mais de 40% das receitas totais do grupo. Na indústria do alumínio, os efeitos diretos são limitados, já que apenas 10% da produção de manufaturados do metal é exportada. Mas a barreira americana vai gerar uma sobra de produção no mundo. “Temos duas preocupações: o aumento das importações pelo Brasil, num primeiro momento. E, depois, a maior dificuldade que teremos para exportar para outros mercados”, diz Milton Rego, presidente da Associação Brasileira do Alumínio.
O Instituto Aço Brasil, que reúne as companhias do setor, pediu que o governo anuncie alguma medida de proteção comercial. O mais provável é que o país ingresse com uma ação na OMC, ao lado de outras nações, questionando as medidas protecionistas de Trump. Difícil é antever a reação do presidente americano caso seja condenado a recuar, sobretudo agora que ele tem perdido o apoio das vozes mais equilibradas de seu governo.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2018, edição nº 2573